quarta-feira, 24 de abril de 2024

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A ORDENAÇÃO DE ANCIÃS

Em julho de 2021, a Divisão Sul-Americana votou autorizar às igrejas locais nomearem e ordenarem mulheres ao ancionato. Esse voto segue a recomendação da Associação Geral que, após ampla e reflexiva análise teológica, autorizou as Divisões a estudar o tema e implementar, conforme a necessidade de suas igrejas locais, a ordenação de anciãs.

Uma comissão estabelecida pela Divisão Sul-Americana analisou os resultados do relatório e, após avaliar os argumentos bíblicos, teológicos e eclesiásticos, concluiu que a nomeação de anciãs fortalece a liderança da igreja local, valoriza o discipulado e contribui efetivamente com a missão.

Acompanhe, a seguir, algumas questões importantes sobre esse tema.

1. Como a ordenação praticada hoje está relacionada à terminologia bíblica?

Embora a palavra ordenação não apareça na Bíblia, o conceito tem sido associado a termos bíblicos como “imposição de mãos” (1Tm 4:14; 2Tm 1:6; Hb 6:2), “colocar em ordem”, “ordenar/designar” (Tt 1:5). Trata-se da nomeação ou separação de alguém para um propósito particular. Primeiro Deus nomeia uma pessoa; em seguida, a igreja reconhece essa nomeação. A igreja só pode ordenar o que Deus já separou e comissionou (1Co 7:17). Paulo, por exemplo, já era reconhecido como apóstolo e mestre pela igreja quando o Espírito Santo instruiu os líderes a separá-lo para uma tarefa específica (At 13:1-3).

Quanto às ordenações feitas no Antigo e Novo Testamentos, existem semelhanças e diferenças. Há semelhança no fato de que, em ambos os testamentos, Deus chama e Seu povo reconhece esse chamado. Um exemplo importante de diferença é que, no Novo Testamento, há uma mudança na lei com relação à ordenação dos sacerdotes. Hebreus 7:12 diz: “Pois, quando se muda o sacerdócio, necessariamente muda também a lei.”

2. Deus estabelece e ordena aqueles que exercem seus dons na igreja?

Sim. As palavras gregas muitas vezes traduzidas como “ordenar” no Novo Testamento carregam a ideia de “definir”, “designar”, “estabelecer”. Em 1 Coríntios 12:28, o apóstolo Paulo afirma: “A uns Deus estabeleceu na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois, os que têm dons de curar, ou de ajudar, ou de administrar, ou de falar em variedade de línguas.”

É importante frisar que a ordenação não funciona em um sentido mágico, infundindo na pessoa um tipo de poder especial. Também é errado dizer que a ordenação é “apenas uma nomeação da igreja”. Essa expressão rebaixa o valor do corpo de Cristo e da liderança divina sobre ele. Por outro lado, é necessário enfatizar que a ordenação é uma ação inspiradora, que mostra a organização eclesiástica ao reconhecer os dons concedidos por Deus a alguns de seus membros. Essa organização não é, primariamente, sobre hierarquia, mas sobre missão (Mt 23:11; 28:19, 20). Homens e mulheres são chamados e ordenados por Deus para participar dessa missão (Jl 2:28, 29).

Portanto, a ordenação é a habilitação de uma pessoa para representar a igreja, proclamar o evangelho, administrar a Ceia do Senhor, plantar e organizar igrejas, guiar e instruir os membros, opor-se aos falsos ensinamentos e prestar serviço à congregação (At 6:3; 20:28, 29; 1Tm 3:2, 4, 5; 2Tm 1:13, 14; 2:2; 4:5; Tt 1:5, 9).

3. Deus nomeia mulheres para exercer dons espirituais e cargos de liderança na igreja?

Sim. Deus estabeleceu, por exemplo, profetisas na igreja (1Co 12:28) e entre Seu povo. Observe as referências: “A profetisa Miriã, irmã de Arão” (Êx 15:20), “Débora, profetisa, esposa de Lapidote” (Jz 4:4), “a profetisa Hulda, esposa de Salum, encarregado das vestimentas da Casa do Senhor” (2Rs 22:14), a esposa de Isaías (Is 8:3) e “Ana, uma profetisa” (Lc 2:36).

Muitas outras mulheres também serviram ao povo de Deus em papéis de liderança. No Antigo Testamento, Débora “julgava Israel” (Jz 4:4). No Novo Testamento, várias mulheres serviram na igreja apostólica como colaboradoras de Paulo e tiveram funções de liderança. Entre elas estão: Febe (Rm 16:1), Priscila (16:3), Maria (16:6), Trifena, Trifosa e Pérsis (16:12), Evódia e Síntique (Fp 4:2) e Ninfa (Cl 4:15).

Embora a ordenação de anciãs não seja prescrita ou proibida na Bíblia, existem princípios que esclarecem essa questão. Jesus nos ensinou a orar: “Seja feita a Tua vontade, assim na Terra como no Céu” (Mt 6:10). Também: “Tudo o que ligares na Terra será ligado no Céu e tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu” (16:19; 18:18). Paulo escreveu: “Que cada um ande segundo o que o Senhor lhe concedeu, conforme Deus o chamou. É isto que ordeno em todas as igrejas” (1Co 7:17). Precisamos depender da soberania divina, olhar para os princípios básicos ensinados na Bíblia e seguir a orientação do Espírito Santo que nos conduz “em toda a verdade” (Jo 16:13).

4. Mas a liderança eclesiástica não é prerrogativa apenas dos homens?

Algumas pessoas acham que, pelo fato de o marido ser o “cabeça da mulher” ou o “cabeça do lar”, então ele tem que ser “cabeça” dentro da igreja também. Segundo elas, isso desqualificaria a mulher de exercer posições de liderança. No entanto, segundo as Escrituras, Cristo é o único Cabeça da Igreja, enquanto os membros da igreja (tanto homens quanto mulheres), formam o corpo de Cristo (Ef 1:22, 23; 5:23; Cl 1:18; 2:19).

Ellen White escreveu: “Cristo, não o pastor, é o Cabeça da igreja”1 e “Cristo é o único Cabeça da igreja”.2 Nem as Escrituras nem os escritos de Ellen White afirmam que apenas o homem deve ser líder na igreja. Além disso, não apoiam nenhuma transferência da função de cabeça no lar às funções dentro do corpo da igreja.

5. O termo masculino “ancião” exclui necessariamente as mulheres?

Não. O autor do livro de Hebreus faz uma declaração representativa ao descrever “os antigos [presbíteroi] [que] obtiveram bom testemunho” (Hb 11:2), incluindo Sara (11:11), Raabe (11:31), e outras mulheres (11:35). Esses anciãos faziam parte da ordem geral do povo de Deus. Eles não são exemplos do ministério de um “presbítero” da igreja no período do Novo Testamento, mas mostram que, na terminologia bíblica, a linguagem masculina pode ser usada para incluir mulheres.

As anciãs também são mencionadas em outro texto paulino: “Não repreendas um homem mais velho [presbíterou]; pelo contrário, exorte-o como você faria com seu pai. Trate os mais jovens como irmãos, as mulheres mais velhas [presbitéras], como mães, e as mais jovens, como irmãs, com toda a pureza” (1Tm 5:1, 2). Alguns estudantes da Bíblia concluem que esses anciãos e anciãs podem ser simplesmente pessoas idosas. No entanto, mesmo essa visão não muda o fato de que tanto homens quanto mulheres são referidos como anciãos. Portanto, o termo “ancião” não exclui automaticamente o gênero feminino.

6. Paulo proibiu as mulheres de ensinar e exercer autoridade sobre os homens?

A proibição de 1 Timóteo 2:11 e 12 faz parte da resposta geral do apóstolo à influência maligna de falsos mestres que estavam minando a fé dos crentes em Éfeso (cf. 1:3, 4; 18-20; 4:1-4; 6:20, 21). Algumas mulheres dessa cidade haviam perdido de vista o verdadeiro evangelho e não estavam vivendo como seguidoras de Cristo. Sob a direção desses falsos mestres, elas desenvolveram um desdém pelo papel tradicional da mulher como esposa e mãe (cf. 4:3; 5:9-10, 14) e passaram não apenas a se vestir indevidamente (2:9-10; 5:6), como também a agir de maneira dominadora sobre o marido (2:11, 12).

É interessante observar que, em vez de usar o termo grego exousia – palavra comum usada no Novo Testamento para autoridade (Rm 9:21; 13:3; 2Co 13:10; 2Ts 3:9), Paulo usa uma palavra extremamente rara que não ocorre em nenhum outro lugar do NT: authenteō. Esse verbo tem um elemento negativo associado a ele. Pode significar “governar/reinar”, “controlar” ou “dominar”. Em vez de exercer a forma normal de autoridade associada ao ofício do ministério, essas mulheres estavam se comportando de maneira arrogante, sem o espírito de amor cristão, abnegação e submissão mútua que define o relacionamento entre todos os crentes.

7. As mulheres são excluídas de serem anciãs porque não possuem todas as características listadas por Paulo em 1 Timóteo 3:1-7?

Não. A qualificação essencial é que o ancião seja irrepreensível. Uma pessoa não precisa de todas as qualidades listadas por Paulo (como ser um homem casado, por exemplo) para ser um “presbítero” (ancião). As viúvas, por exemplo, também devem ser “esposa de um só marido” (1Tm 5:9) – o mesmo conselho dado aos anciãos (1Tm 3:2). O princípio que Paulo promove é a pureza sexual. A preocupação do apóstolo não era com o gênero de um líder da igreja, mas com o tipo de caráter que deve definir a vida de um líder espiritual.

Em grego, Paulo diz que “qualquer um” que queira servir como um ancião “deseja uma nobre tarefa” (1Tm 3:1). Qualquer um significa homem ou mulher. Se Paulo quisesse limitar o ministério de um bispo aos homens, ele poderia facilmente ter restringido o significado do pronome indefinido adicionando um substantivo ou pronome especifico de gênero (como ele faz em outros lugares – 1Tm 5:4, 16; 1Co 7:12, 13, 36). Além disso, nenhum pronome masculino ocorre em grego em toda a lista de qualificações para o ministério de um ancião.

Paulo usa linguagem masculina ao falar sobre os requisitos dos presbíteros porque, na antiguidade, o gênero “padrão” para um grupo misto era sempre masculino. A linguagem inclusiva de gênero é um fenômeno bastante recente e não teria sido considerada na época de Paulo.

8. Na Igreja Adventista do Sétimo Dia, quais são os três ofícios para os quais as pessoas são ordenadas?

O Guia Para Ministros declara: “As Escrituras distinguem três categorias de oficiais ordenados: 1) O ministro de evangelho cujo papel pode ser entendido como pregação, ensino, administração das ordenanças e cuidado pastoral da igreja (1Tm 4:14; 4:1-5); (2) o ancião que exerce supervisão sobre a congregação local, realizando também algumas funções pastorais (At 14:23; 20:17; Tt 1:5, 9; 1Tm 3:2, 5) e (3) o diácono, a cujos cuidados são confiados os pobres e a obra de beneficência da congregação (Fp 1:1; At 6:1-6; 1Tm 3:8-13).”3

9. Como os pioneiros adventistas lidaram com assuntos nos quais a Bíblia não dava instruções explícitas e detalhadas?

Quando tópicos específicos não são abordados nas Escrituras, é considerado uma prática sólida e aceitável aplicar princípios extraídos da Bíblia. Ellen White seguiu essa prática em um exemplo citado por seu marido, Tiago White: “Se for perguntado: ‘Onde estão os textos claros da Escritura para manter legalmente a propriedade da igreja?’ Nós responderemos: ‘A Bíblia não fornece nenhum; nem diz que devemos ter um jornal semanal, uma impressora a vapor, que devemos publicar livros, construir locais de adoração e enviar tendas’. Jesus diz: ‘Assim brilhe a vossa luz diante dos homens’; mas Ele não dá todos os detalhes de como isso deve ser feito. A igreja é deixada para seguir em frente na grande obra, orando por orientação divina, agindo de acordo com os planos mais eficientes para sua realização. Acreditamos que é seguro ser governado pela seguinte regra: Todos os meios que, de acordo com o bom senso, promoverão a causa da verdade e não são proibidos por declarações das Escrituras devem ser empregados.”4

10. Ellen White apoia a ordenação de mulheres para os ministérios aos quais Deus as chama?

No sentido espiritual, Ellen White acreditava que todos os cristãos são chamados para exercer um tipo de ministério. Essa perspectiva está no cerne do sacerdócio de todos os crentes (1Pe 2:9). Ela escreveu: “Todos os que são ordenados na vida de Cristo são ordenados para trabalhar pela salvação de seus semelhantes.”5

Em 1895, Ellen White escreveu um longo artigo sobre o trabalho dos leigos nas igrejas locais. Ela exortou os ministros a deixar os membros trabalharem para a igreja e treiná-los para fazê-lo. Ela afirmou ainda que as mulheres que servem no ministério local também devem ser separadas para o tipo de ministério e evangelismo que exercem. Ela aconselhou: “As mulheres que estão dispostas a consagrar parte de seu tempo ao serviço do Senhor devem ser designadas para visitar os enfermos, cuidar dos jovens e atender às necessidades dos pobres. Elas devem ser designadas para essa obra pela oração e imposição de mãos. Em alguns casos, elas precisarão se aconselhar com os oficiais da igreja ou com o ministro; mas se forem mulheres dedicadas, mantendo uma conexão vital com Deus, elas serão uma força para o bem na igreja. Esse é um outro meio de fortalecer e edificar a igreja. Precisamos expandir mais nossos métodos de trabalho.”6

Referências
1 Signs of the Times, 27 de janeiro de 1890.

2 Manuscript Releases, v. 21, p. 274.

3 Guia Para Ministros Adventistas do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), p. 82.

4 Review and Herald, 26 de abril de 1860.

5 Signs of the Times, 25 de agosto de 1898.

6 Review and Herald, 9 de julho de 1895, ênfase adicionada.

Adaptado de Martin Hanna e Cindy Tutsch, Questions and Answers About Women’s Ordination (Nampa: ID: Pacific Press, 2014).

terça-feira, 23 de abril de 2024

COMO ENTENDER A PRIMEIRA E A NOVA ALIANÇA?

Na Bíblia, uma aliança consiste no estabelecimento legal de uma relação entre Deus e o Seu povo. Deus é quem toma a iniciativa de instituir e assegurar esse relacionamento. As alianças que Ele estabelece são baseadas no Seu amor, na Sua graça e na Sua fidelidade, tendo raízes na aliança eterna que tinha o intuito de salvar a humanidade e que foi estabelecida pela Trindade antes da fundação do mundo, caso o ser humano caísse em pecado (Ef 1:3, 4; 2Tm 1:9; Tt 1:12; 1Pe 1:20; Ap 13:8). 

O autor do livro de Hebreus, que se acredita ser o apóstolo Paulo, faz uma distinção entre a “primeira” e a “nova” aliança, alegando que se não houvesse nenhuma “deficiência” ou “inadequação” na primeira aliança, a segunda ou a “nova” aliança não seria necessária. Paulo discute a questão da nova aliança no contexto do ministério de Cristo como nosso Sumo Sacerdote no santuário celestial, fazendo uma comparação com os serviços do santuário realizados no tabernáculo terrestre pelos sacerdotes levitas, que exigiam sacrifícios de animais. Ele também fala sobre a “aliança superior” (Hb 7:22; 8:6) e diz que essa é a “nova aliança” (Hb 8:8; 9:15; 12:24; cf. Lc 22:20; 1Co 11:25; 2Co 3:6), ou a “segunda” aliança (Hb 8:7). O adjetivo chave “melhor” é comparativo de “bom”, ou seja, Paulo contrasta a primeira aliança, que era “boa”, com a nova aliança, que é “melhor”. 

A primeira aliança 
O que Paulo quer dizer quando fala sobre a “primeira aliança”? (A frase completa é usada somente em Hebreus 9:15, mas veja também em Hebreus 8:7, 13; 9:1, 18). Em Hebreus, Paulo nunca usa o termo antiga aliança para descrever a primeira aliança (ele usa a expressão antiga aliança somente em 2 Coríntios 3:14). O Senhor explica que a nova aliança não será como a “a aliança que fiz com os seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito” (Hb 8:9). Aqui, Ele está Se referindo à aliança mosaica ou sinaítica estabelecida com Israel depois do êxodo (Êx 19–24). Essa aliança foi feita no monte Sinai (Êx 19:3-8; Hb 12:18-21), ratificada pelo sangue de animais sacrificados (Êx 24:4-8) e renovada por Deus depois do ato de apostasia cometido pelo povo ao adorar o bezerro de ouro (Êx 34:6, 7, 10, 11). Paulo fala sobre essa experiência do Sinai em Hebreus 9:18-20 e o profeta Jeremias também faz o contraste entre a nova aliança e a aliança sinaítica (Jr 31:32). Portanto, a primeira aliança a que Paulo se refere não foi estabelecida com Adão, Noé ou Abraão, mas sim com o povo de Israel no monte Sinai. De maneira clara, Paulo afirmou: “Ora, a primeira aliança também tinha preceitos de culto divino e o Seu santuário terrestre” (Hb 9:1). 

Desse modo, no contexto da discussão que Paulo faz sobre as alianças no livro de Hebreus, a primeira aliança tinha duas partes indivisíveis: (a) a parte cerimonial ou cultual, que consistia no sistema de sacrifícios com todos os seus regulamentos e (b) a parte moral ou espiritual, que envolvia as quatro promessas eternas feitas por Deus. Ele havia dado esses quatro elementos para o povo de Israel no monte Sinai (e até mesmo anteriormente, já que se trata de princípios ou promessas de uma vida espiritual harmoniosa) e eles foram reenfatizados pelos profetas: (1) guardar e cultivar a lei de Deus no coração e na mente (Êx 20:2, 6; Dt 6:5-8; 30:11-14; Js 1:6-9; Sl 1; 37:30, 31; Pv 3:4-7; Is 51:7); (2) ter um relacionamento próximo de aliança com Deus (Êx 6:6, 7; Lv 26:12); (3) ter conhecimento concreto sobre Deus (Êx 16:6; 29:46; 33:13) e (4) obter o perdão dos pecados (Êx 20:6; 34:6, 7; Sl 32:1, 2; 51:1-4, 10-12; Is 1:18, 19). O conteúdo da nova aliança não era nenhuma novidade, mas tratava- -se da renovação de um apelo para que a lei de Deus fosse internalizada na mente e no coração do povo, ressaltando assim a continuidade dessa aliança. No Sermão do Monte, Jesus fez exatamente isso ao explicar o verdadeiro significado dos ensinamentos do Antigo Testamento (Mt 5:17-48). 

O que estava errado? 
Paulo afirma que, “se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para uma segunda aliança” (Hb 8:7). Quando refletimos sobre a primeira ou antiga aliança, muitos cristãos automaticamente supõem que a aliança sinaítica fosse ruim. Contudo, dizer que havia algum “erro” na aliança seria fazer uma interpretação incorreta do texto original grego, que traz a palavra amemptos, que significa “impecável”, “irrepreensível”, “sem defeito”. 

Paulo argumenta que na primeira aliança havia uma certa insuficiência, uma deficiência, que faltava alguma coisa (v. 7, 8), mas não diz que ela era ruim. A primeira aliança era boa, porém tinha “fraqueza e inutilidade” (Hb 7:18). Foi caracterizada como “antiquada” (Hb 8:13, aqui o verbo grego palaioein significa “declarar obsoleto”, “tornar velho ou envelhecer”), implicando que a primeira aliança estava se extinguindo, desaparecendo e envelhecendo, portanto, já não era relevante. Mas por quê? 

A aliança sinaítica, com todas as suas cerimônias e sacrifícios específicos, era uma ilustração (Hb 9:9; cf. 8:5), uma lição objetiva de como Deus salva as pessoas arrependidas, de como Ele lida com o pecado e de como Ele destrói o mal. Essa demonstração do plano de Deus para a redenção da humanidade incluía ferramentas de ensino que apontavam para Jesus Cristo. A antiga aliança demandava (1) o oferecimento de sacrifícios com derramamento de sangue animal, o que não tinha o poder de perdoar pecados (Hb 9:23; 10:4) e também não trazia a perfeição, nem a limpeza de consciência das pessoas, nem a garantia de salvação (Hb 7:11; 9:9, 10); (2) exigia o serviço de sacerdotes pecadores e mortais que, por consequência, tinham que oferecer sacrifícios constantes por si mesmos e pelo povo (Hb 5:3; 7:23, 27; 9:7); (3) requeria o sacerdócio levítico (Hb 7:5, 9, 11), em contraste com o sacerdócio de acordo com a ordem de Melquisedeque (Hb 6:20; 7:24, 26-28); e (4) demandava regulamentos na adoração e um santuário terrestre (Hb 9:1). Assim, vislumbrou-se a necessidade um santuário superior ao terrestre (Hb 8:1, 2; 9:11, 12), um sacrifício melhor, de um sangue superior (Hb 9:12-15, 23, 25). Surgiu também a necessidade de uma fundamentação mais adequada para as promessas (Hb 8:6) e uma esperança superior foi instaurada (Hb 7:19). 

Em outras palavras, não havia nada de errado com a aliança sinaítica em si. A nova aliança era parte da aliança eterna de Deus com o Seu povo (Hb 13:20; cf. Is 55:3; Jr 50:4, 5; Ez 37:26). Foi o próprio Deus quem iniciou e estabeleceu um relacionamento de aliança com eles. Portanto, a culpa também não foi de Deus.

Em vez disso, o problema foi a maneira como o povo recebeu a aliança: “Deus, porém, achou o povo em falta [memphomai, achar falta ou culpar]” (Hb 8:8, NVI). O povo transgrediu a primeira aliança e esse foi um dos motivos pelos quais Deus estabeleceu uma nova aliança (Êx 20:18-20; 32:4-6, 19, 20; Lv 17:7). Eles tratavam a lei de Deus como um mero comando, como algo que deveriam fazer para se tornar santos e justos, em vez de manterem os preceitos divinos por gratidão pela Sua bondade para com eles. O Decálogo se tornou a realização da obra e a dura obediência ao que Deus havia estipulado, não sendo visto como Sua promessa. Então, a lei se tornou um fardo, um dever a ser cumprido, em oposição à uma demonstração da gratidão que tinham pela bondade do Senhor. 

A nova aliança 
A primeira diferença da nova aliança é a ratificação da aliança por meio da morte de Cristo na cruz. Ele é o fiador dessa aliança (Hb 7:22), pois foi Ele quem garantiu e selou o perdão e a salvação para Seus seguidores, assim como para aqueles que creram na época do Antigo Testamento, como antecipação da cruz (Hb 9:15). A segunda diferença é que o sacrifício de Jesus na cruz cumpriu o sistema sacrifical (Dn 9:27a; Mt 27:51; Jo 1:29; 1Jo 2:2), por conseguinte, os sacrifícios e o derramamento do sangue de animais, o sacerdócio levítico e o santuário terrestre já não eram necessários nem relevantes. A terceira diferença é que somente os elementos cerimoniais e cultuais da primeira aliança é que deixaram de existir: o sacrifício de animais, o sacerdócio levítico e os serviços do santuário terreno. As “ofertas e os sacrifícios oferecidos não podiam dar ao adorador uma consciência perfeitamente limpa” (Hb 9:9, NVI), mas o sangue de Cristo tem o poder de purificar “a nossa consciência de atos que levam à morte” (v. 14; cf. 10:22). A imperfeição dos sacerdotes levíticos é comparada com a vida de obediência e perfeição de Jesus (Hb 2:10; 4:15; 5:8, 9; 7:26). O ciclo perpétuo do sacrifício de animais que era feito pelo povo e pelos sacerdotes foi quebrado. O sacrifício de Cristo é suficiente e traz salvação para aqueles que creem Nele (Hb 7:27; 9:12, 26, 28; 10:10). 

Então deve-se observar que há uma diferença entre os rituais externos e o conteúdo interno relacionado à aliança mosaica. A parte cultual e cerimonial da primeira aliança era temporária: os regulamentos, os sacrifícios, os sacerdotes e o santuário terrestre se cumpriram na morte de Jesus, pois Ele cumpriu o sistema sacrifical na cruz (Dn 9:27). Nesse sentido, “Ele cancela a primeira aliança a fim de estabelecer a segunda” (Hb 10:9, NVT; cf. 8:13). Se olharmos por esse prisma, a descontinuação é enfatizada no livro de Hebreus e a aliança é caracterizada como “nova”. 

Contudo, em relação ao conteúdo da aliança, não há nada de novo, pois os mesmos quatro princípios ou promessas estão presentes em ambas as alianças. A lei não foi revogada na nova aliança, mas sim internalizada (Mt 5:17-48), do mesmo modo que estava no coração daqueles que acreditavam em Deus no Antigo Testamento (Dt 30:14; Sl 37:30, 31; 40:8; Is 51:7). A lei de Deus é escrita no coração com consentimento amoroso e informado. A obediência perfeita só acontece por meio de Cristo (Hb 2:10, 17; 4:15; 5:9; 10:5, 6) e somente Ele a dá aos que creem (Hb 2:10, 11, 18). Essa perspectiva realça a continuidade dos quatro aspectos fundamentais da aliança sinaítica. O termo “nova” (do hebraico khadash e do grego kainos) deveria ser traduzido como “renovação” nesse contexto bíblico, já que aponta para uma renovação da intenção original da aliança que Deus fez com Seu povo e para a sua continuidade. 

A realidade histórica 
O novo aspecto da nova aliança não está relacionado ao seu conteúdo, mas sim à eficiência de Cristo e ao que Ele conquistou na cruz, onde a aliança foi ratificada por meio do Seu sacrifício em nosso favor (Hb 9:15), o que O torna fiador da nova aliança (Hb 7:22). Assim, “Ele é o Mediador da nova aliança”, a fim de que todos os que creram Nele em todas as eras da história “recebam a promessa da herança eterna” (Hb 9:15; 12:24). Ele ofereceu a Sua vida como um sacrifício superior que garantiu o perdão dos nossos pecados. O que havia sido feito no Antigo Testamento agora estava garantido (Hb 9:15; cf. Rm 3:22-26; Ef 1:4; Ap 13:18). Jesus morreu de “uma vez por todas” (Hb 7:27), não várias vezes, como acontecia com o sacrifício de animais que não garantiam o perdão. Eles apenas apontavam para o perdão que se tornou disponível por intermédio de Cristo. 

Embora já não estejamos sob as obrigações do santuário terrestre, as promessas de Deus são as mesmas nas duas alianças: obter conhecimento pessoal de Deus, experimentar o perdão dos pecados e receber a vida eterna. Antes que Jesus viesse ao mundo para tornar a aliança real, Deus deixou um exemplo do plano da redenção para os israelitas, a fim de que eles compreendessem a terrível natureza do pecado e percebessem a maneira como Deus salva o pecador arrependido (Hb 9:9; cf. 8:5). A nova aliança foi estabelecida sobre um santuário superior, um sacrifício superior, um sacerdócio superior e promessas superiores. No centro da nova aliança está explícita a seguinte declaração: “Eles serão o Meu povo, e Eu serei o Seu Deus” (Jr 32:38, cf. Ap 21:3). A fórmula dessa nova aliança descreve a íntima relação de Deus com Seu povo e convida você a fazer parte dessa aliança de comunhão com Ele, que permanecerá por toda a eternidade.

Jiri Moskala (via Revista Ministério)

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE SÃO JORGE

Talvez poucos saibam, mas dia 23 de Abril é dia dedicado a São Jorge. Famoso por matar o dragão e por ter seu retrato estampado na lua, São Jorge é personagem singular dentro do sincretismo religioso brasileiro e consegue unir cristãos, espiritualistas e até amantes de futebol (é santo padroeiro de um clube de futebol brasileiro). Mas o mais que sabemos sobre ele é apenas fruto de lendas e crendices. Rejeitado pelos cristãos ditos evangélicos tradicionais, São Jorge é uma figura até certo ponto desconhecida. Com o objetivo de ajudar a resgatar a verdadeira história do insigne personagem escondida debaixo das lendas e superstições populares, confira o texto abaixo de Hermes C. Fernandes.

Em torno do século III d.C., quando Diocleciano era imperador de Roma, havia nos domínios do seu vasto Império um jovem soldado chamado Jorge de Anicii. Filho de pais cristãos, converteu-se à fé cristã ainda na infância, quando passou a temer a Deus e a crer em Jesus como o salvador do mundo. Nascido na antiga Capadócia, região que atualmente pertence à Turquia, Jorge mudou-se para a Palestina com sua mãe, após a morte de seu pai. Tendo ingressado para o serviço militar, distinguiu-se por sua inteligência, coragem, capacidade organizativa, força física e porte nobre. Foi promovido a capitão do exército romano devido a sua dedicação e habilidade.

Tantas qualidades chamaram a atenção do próprio Imperador, que decidiu lhe conferir o título de Conde. Com a idade de 23 anos passou a residir na corte imperial em Roma, exercendo altas funções. Nessa mesma época, o Imperador Diocleciano traçou planos para exterminar os cristãos. No dia marcado para o senado confirmar o decreto imperial, Jorge levantou-se no meio da reunião declarando-se espantado com aquela decisão, e, afirmando sua total lealdade a Cristo, recusou-se a prestar culto a qualquer outra divindade . Todos ficaram atônitos ao ouvirem estas palavras de um membro da suprema corte romana, defendendo com grande coragem sua fé.

Indagado por um cônsul sobre a origem desta ousadia, Jorge prontamente respondeu-lhe que era por causa da Verdade. O tal cônsul, não satisfeito, quis saber: "O que é a verdade?". Jorge respondeu: "A verdade é o meu Senhor Jesus Cristo, a quem vós perseguis, e eu sou servo de meu redentor Jesus Cristo, e n'Ele confiando, pus-me no meio de vós para dar testemunho da Verdade." Como Jorge mantinha-se fiel a Jesus, o Imperador tentou fazê-lo desistir da fé torturando-o de vários modos. E, após cada tortura, era levado perante o Imperador, que lhe perguntava se renegaria a Jesus para adorar aos deuses romanos. Porém, este santo homem de Deus jamais abriu mão de suas convicções e de seu amor a Jesus. Todas as vezes em que foi interrogado, sempre declarou-se servo do Deus Vivo, mantendo seu firme posicionamento de somente a Ele prestar culto.

Em seu coração, Jorge de Capadócia discernia claramente o propósito de tudo o que lhe ocorria, lembrando-se das palavras de Jesus aos Seus discípulos: “...vos hão de prender e perseguir, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, e conduzindo-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome. Isso vos acontecerá para que deis testemunho”. (Lucas 21:12:13). A fé deste jovem soldado era tamanha que muitas pessoas passaram a crer em Jesus e confessá-lo como Senhor por intermédio do seu testemunho. Durante seu martírio, Jorge mostrou-se tão confiante em Cristo e em Sua obra redentora na cruz, que a própria Imperatriz alcançou a Graça da salvação eterna, rendendo sua vida a Cristo. Sua fidelidade e amor a Deus contagiaram o coração de toda uma geração de romanos.

Por fim, Diocleciano mandou degolar o jovem e fiel discípulo de Jesus em 23 de abril de 303. Em pouco tempo, a devoção a São Jorge se popularizou. Celebrações e petições às imagens que o representavam se espalharam pelo Oriente e, depois das Cruzadas, tiveram grande aceitação no Ocidente. Como se não bastasse, muitas lendas foram se somando à sua história, inclusive a que diz que ele teria enfrentado e amansado um dragão que atormentava uma cidade.

Em 494, a devoção era tamanha que a Igreja Católica o canonizou, estabelecendo cultos e rituais a serem prestados em homenagem à sua memória. Assim, confirmou-se a devoção a Jorge, até hoje largamente difundida, inclusive em grandes centros urbanos, como a cidade do Rio de Janeiro, onde desde 2002 faz-se feriado municipal na data comemorativa de sua morte.

Jorge é cultuado através de imagens produzidas em esculturas, medalhas e cartazes, onde se vê um homem vestindo uma capa vermelha, montado sobre um cavalo branco, atacando um dragão com uma lança. Ironicamente, o que motivou o martírio deste santo homem foi justamente sua batalha contra a adoração e veneração de imagens fartamente adotadas pelos romanos.

Apesar de tudo, o fato é que Jorge de Capadócia obteve um testemunho reto e santo, que causou impacto e conduziu muitas vidas a Cristo. Por amor ao Evangelho, ele não se preocupou em preservar a sua própria vida; em seu íntimo, guardava a Palavra: “ ...Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte” (Filipenses 1:20). Deste modo, cumpriu integralmente o propósito eterno para o qual havia nascido: manifestou o caráter do seu Senhor e atraiu homens e mulheres ao reino de Cristo.

Se você é devoto deste celebrado mártir da fé cristã, faça como ele e atribua toda honra, glória e louvor exclusivamente a Jesus Cristo, por quem Jorge de Capadócia viveu e morreu. Para além das lendas que envolvem seu nome, o grande dragão combatido por ele foi a idolatria que infelizmente hoje impera em torno de seu nome, e até mesmo em torno do nome do Cristo a quem Ele dedicou sua existência. A melhor maneira de honrá-lo e prestigiá-lo não é com fogos de artifício, promessas e festa, mas imitando-o em sua fé e devoção a Cristo.

Idolatria não se resume a prostrar-se ante uma escultura qualquer, mas estabelecer uma relação supersticiosa, onde o santo ou o próprio Deus é visto apenas como alguém a quem recorrer na busca de solução para os seus problemas. Cristo, o Deus que Se humanizou para habitar entre nós, é muito mais do que alguém pronto a atender nossos pedidos. Ele é o Salvador dos homens, o Senhor do Mundo, o Mestre do Amor. Homens e mulheres que o serviram e hoje são considerados santos pela tradição podem ser imitados em sua fé, ter sua memória celebrada, mas jamais considerados semi-deuses prontos a atender nossas solicitações. De acordo com os ensinamentos encontrados nos evangelhos, nossos pedidos devem ser dirigidos ao Pai em nome de Seu Filho Jesus. E Ele tem prazer em nos atender, não com a intenção de mostrar o quão poderoso é, mas simplesmente por nos amar e se importar com cada um de Seus filhos.

A pior idolatria denunciada por Jesus ocorre quando nos devotamos ao dinheiro e a aquisição de bens materiais. Façamos deles um meio para socorrer aos necessitados e não um fim em si mesmos. Nada nesta vida pode tomar o lugar de Deus. Esta foi a grande lição que Jorge da Capadócia nos deixou. O dragão que devemos vencer é o do egoísmo, da ganância, do ódio, do preconceito e de tudo o que nos afasta de Deus e do nosso próximo.

Ilustração de Johann König - Saint George Defeating the Dragon (c.1630)

segunda-feira, 22 de abril de 2024

OS MALES DO NACIONALISMO CRISTÃO

O nacionalismo cristão é uma tentativa de associar o cristianismo à identidade nacional. Ou seja, para ser realmente patriota, é preciso também ser cristão. O nacionalismo cristão ganha força a partir da crença de que forças hostis estão atacando uma nação até então cristã. Diante disso, supostamente os cristãos seriam chamados a reconquistar o território que sua religião perdeu. A questão se complica quando verificamos que na ideologia do nacionalismo cristão há espaço para discursos de ódio, como o racismo e a hostilidade contra minorias étnicas e religiosas.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia é absolutamente contrária ao nacionalismo cristão, pois essa ideologia confronta nossa teologia, crenças e história. Uma premissa fundamental da denominação é que suas instituições e representantes não podem se associar a nenhum partido ou ideologia política. Outro princípio é que “não devemos usar nossa influência com líderes políticos e civis para promover nossa fé ou inibir outras manifestações de fé” (Declarações da Igreja [CPB, 2012], p. 156).

Sim, os membros da igreja, individualmente, são incentivados a participar, cuidadosamente e em espírito de oração, da vida cívica, seja por meio do voto, participando do diálogo público ou até mesmo ocupando cargos eletivos. No entanto, em todas essas coisas, o membro age e fala apenas por si mesmo.

Às vezes, a Igreja Adventista fala publicamente sobre suas ideias e toma uma posição a respeito de alguma política pública que se harmoniza com nossos princípios. A liberdade religiosa, por exemplo, é uma área em que a igreja constantemente toma posições públicas. Trabalhamos intensamente para defender o direito que cada pessoa tem de seguir o que diz sua consciência. No entanto, contribuir para o debate público sobre questões específicas é radicalmente diferente das ambições do nacionalismo cristão.

Sendo assim, os adventistas não devem tentar usar o poder político para criar uma esfera pública exclusivamente cristã. Por quê? Nossa compreensão bíblica e dos escritos de Ellen White nos leva a afirmar, inequivocamente, que os esforços para legislar em favor da própria fé estão em completa oposição à natureza da verdadeira religião e à vontade de Deus. Em qualquer de suas formas e variantes, o nacionalismo cristão sempre prejudicará o testemunho do evangelho.

O nacionalismo cristão é também sedutor para muitos pastores e líderes da Igreja. Afinal, é uma forma de exercer poder. Mas, como todo tipo de poder, está envolto em vários perigos:

1) Falta de humildade: geralmente produz arrogância e superioridade religiosa, contrária aos ensinamentos bíblicos de humildade e amor ao próximo.

2) Desvio da missão: desvia a missão cristã e da mensagem do Evangelho a todas as pessoas e foca na defesa de interesses nacionais e eleitorais.

3) A polarização: leva a uma polarização religiosa e política na sociedade, prejudica a unidade e o diálogo entre diferentes grupos. Além disso, a polarização namora as obras da carne ao cultivar dissensão, ira e sectarismo.

4) Foco na política em vez da espiritualidade: o radicalismo leva os evangélicos a se concentrarem mais na política e no poder terreno do que na vida espiritual e no amor ao próximo. É excessivamente ativista e pouco piedoso; é engajado, mas nada generoso; é transtornador, mas nada transformador.

5) Perigo de misturar religião e política: leva a conflitos e violência, e que os evangélicos devem se concentrar em praticar sua fé de forma pacífica e respeitosa. Embora seja impossível cultivar uma religião neutra politicamente, é necessário separar Igreja e Estado, fé e política. Separar não é divorciar completamente, mas é saber discernir quando a aproximação é saudável ou não.

6) Dependência da cultura do medo e teorias conspiratórias: o nacionalismo cristão, como todo nacionalismo, precisa de inimigos, nem que sejam inimigos imaginários inventados em teorias conspiratórias. Em sua guerra cultural, os nacionalistas respiram ameaças e vivem em um mundo binário de constante estado de conflito.

Quando o evangelho cristão é nacionalizado e se torna um instrumento cultural para governar, perde seu poder para produzir liberdade e salvação. Esse nacionalismo cristão não tem nada a ver com o universo evangélico, não tem Bíblia, não importa o que os evangelhos possam dizer. É supremacia e força, a religião como política.

[Com informações de Revista Adventista | Diário do Comércio]

sexta-feira, 19 de abril de 2024

FOGO ESTRANHO

Fogo estranho é a expressão bíblica utilizada para indicar o tipo de fogo trazido por dois sacerdotes e que foi rejeitado pelo Senhor (Levítico 10:1-3). A Bíblia diz que Nadabe e Abiú trouxeram fogo estranho diante de Deus e acabaram sendo consumidos.

Os intérpretes se dividem quanto a melhor interpretação da expressão “fogo estranho”. De fato o texto bíblico não revela explicitamente seu significado. Aqui vale ressaltar que as duas pessoas envolvidas naquele episódio, Nadabe e Abiú, tinham sido instruídas por Deus acerca de como proceder na ministração dos cerimoniais que faziam parte do culto no Tabernáculo.

Levítico 10 fala sobre como os dois sacerdotes se colocaram diante de Deus para lhe oferecer incenso. Porém, Deus não se agradou do que aqueles homens fizeram, e identificou aquilo como “fogo estranho”, algo que o Senhor não lhes tinha ordenado.

Com base em todo esse contexto, algumas possibilidades são apresentadas quanto ao melhor significado do que seria o “fogo estranho” apresentado pelos filhos de Arão. Vejamos:

Em primeiro lugar, a expressão “fogo estranho” pode se referir ao modo ilícito que os dois sacerdotes apresentaram o incenso a Deus. Talvez eles não tivessem observado a ordenança divina que regulamentava aquele procedimento.

Deus havia prescrito o tipo de incenso correto que deveria ser oferecido, e proibido qualquer tipo de “incenso estranho”. Deus também havia indicado como o incenso deveria ser ascendido e queimado (cf. Êx 30:37). O incenso deveria ser queimado continuamente, de manhã e de tarde. As brasas para ascender o incenso deveriam vir do próprio altar (cf. Lv 16:12,13).

Então Nadabe e Abiú podem ter utilizado incenso errado, ou mesmo usado incensários inadequados; ou ainda ascendido os incensários com brasas de fogo de outra fonte, e não do altar. Nesse último caso, os dois sacerdotes teriam literalmente trazido fogo estranho diante de Deus.

"No pátio da tenda da consagração, havia fornos onde os sacerdotes preparavam sua comida, e pode ser que Nadabe e Abiú tomaram o fogo desse lugar" (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, vol. 1, p. 809).

Ellen G. White afirma: "Os filhos de Arão tomaram fogo comum, o qual Deus não aceitava, e insultaram ao infinito Deus, apresentando fogo estranho diante dele" (No Deserto da Tentação, p. 97).

Em segundo lugar, os dois filhos de Arão podem ter adotado uma prática que não havia sido prescrita. Talvez eles tivessem tentado executar certo cerimonial num momento inadequado, ou trazido uma oferta que não havia sido ordenada por Deus. Ainda nesse sentido, também existe a possibilidade de os dois sacerdotes terem se apropriado de funções que não lhes cabiam. Alguns intérpretes sugerem que eles acabaram usurpando uma função que era exclusiva do sumo sacerdote, e talvez tentaram até entrar no Santo dos Santos.

"Entrar no Santo dos Santos sem a aprovação divina poderia levar à morte. O mesmo fogo divino que consumira o sacrifício inaugural, provendo expiação para o povo, consome agora aqueles que se aproximaram do altar divino de maneira desautorizada. Assim, a mesma ira divina contra o pecado, que caiu sobre Cristo no Seu sacrifício vicário pelo Seu povo, cairá sobre aqueles que rejeitarem esse sacrifício e, mesmo assim, tentarem se aproximar de Deus com seus pecados" (Bíblia de Genebra).

Em terceiro lugar, muitos estudiosos relacionam o fogo estranho trazido por Nadabe e Abiú com a exortação acerca da embriaguez na sequência do mesmo texto (Levítico 10:8-11). Então pode ser que os dois homens tenham entrado diante da presença do Senhor embriagados.

"Vinho e bebida forte podem entorpecer as faculdades de modo que a pessoa perca a clara distinção entre o certo e o errado, entre o santo e profano e entre o puro e o impuro. … naquela condição, eles não viam qualquer diferença. Fogo era fogo, não era? Deus, porém, examinou o coração dos dois e viu o que ninguém podia ver. Havia uma diferença. De modo semelhante, o primeiro dia da semana é tão bom quanto o sétimo dia, pelo raciocínio humano – exceto pela ordem de Deus; e isso faz uma diferença vital, a diferença entre a vida e a morte" (CBASD, vol. 1, p. 810).

Independentemente do que a expressão “fogo estranho” possa significar literalmente naquele contexto, fica evidente que a ideia principal transmitida por ela indica uma profanação do culto ao Senhor. Deus não tolerou o pecado de Nadabe e Abiú. O texto bíblico diz que “saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor” (Levítico 10:2).

Basta uma leitura superficial deste capítulo para que muitos pintem uma tela de um Deus carrasco que tinha prazer em fulminar pecadores. Atentando, porém, para o contexto da época, pela necessidade geral e urgente de educar um povo para fazer “diferença entre o santo e o profano e entre o imundo e o limpo” (v.10), fica mais fácil de entender as medidas que o Senhor teve de tomar a fim de preservar toda uma nação. Apesar das muitas deficiências e limitações daquele povo, era dele que viria o Messias, o Salvador do mundo. O Senhor precisava intervir e impedir que a insensatez daqueles sacerdotes fosse causa de apostasia entre o povo.

O silêncio de Arão diante de tão terrível tragédia familiar marcou o início de seu sacerdócio com o derramamento de sangue mais difícil de seu ministério. Ele pôde sentir a agonia que Deus Pai sentiria quando contemplasse a morte de Seu Unigênito. Arão não pôde chegar perto dos corpos de seus filhos e nem sequer pôde chorar ou observar o período e os rituais de luto. Deveria permanecer no tabernáculo com os filhos que lhe restaram somente a ouvir e contemplar a lamentação de “toda a casa de Israel” pelo “incêndio que o Senhor suscitou” (v.6). Quão machucado não deveria estar o coração do velho sacerdote! Como comer das ofertas daquele dia diante de tamanho infortúnio?

Querido leitor, em matéria de adoração, Deus não abre mão de que sejam observados os princípios por Ele estabelecidos em Sua Palavra. Em nenhum outro momento da vida de Jesus encontramos Ele reagindo de forma tão enérgica quanto quando expulsou os cambistas do pátio do templo. O local designado para adorá-Lo deve ser um lugar onde tão somente o resultado seja a verdadeira adoração através da manifestação do fogo do Espírito. Quando o homem age pelo impulso de suas próprias paixões e vontades, confundindo adoração com sensações, está acendendo “fogo estranho” em lugar sagrado, incitando a ira de um Deus que é “Santo, Santo, Santo” (Ap 4:8). 

Cultuamos a Deus segundo os termos dEle ou temos levado “fogo estranho” para o culto? Na pregação, na adoração e no louvor deve prevalecer a vontade de Deus, não nossas preferências. Somos povo sacerdotal, portanto, também devemos nos abster de tudo o que entorpece os pensamentos. Nossa mente está suficientemente sóbria/temperante para não oferecer “fogo estranho” a Deus?

Deus é misericordioso e cheio de graça, mas Levítico 10 mostra que mesmo a paciência dEle tem limite. Ele não Se deixa escarnecer e põe fim aos estragos que um profano pode causar. Vivamos à luz de Seus mandamentos e sejamos fiéis; assim tudo dará certo. Ao entrarmos nos últimos dias da história da Terra, adoremos a Deus com reverência em espírito de santidade e verdade.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

FILHOS FORA DA IGREJA

Filhos fora da igreja. Que triste! Mas ainda dentro do coração imenso de uma mãe que ora. Do pai também. É de cortar a alma. Enquanto isso, lágrimas escrevem a palavra “saudade” com os leitos dos seus rios serpenteando até os joelhos calejados. 
⁣⁣
O coro silencioso de pais intercessores jamais ficará mudo aos ouvidos de Deus. A Onipotência ouve porque se importa, e responde pelo tanto que ama. ⁣
Desta vez, conclamo este exército de leitores sentir empatia genuína pelos colos vazios de filhos crescidos. Se a liberdade de escolha virou o Éden do avesso, a escolha de perder a liberdade também é um direito. Afinal, ninguém consegue ser livre longe do Senhor. É prisão na escuridão. ⁣
Se você está no grupo dos madrugadores de plantão, clamando pelo retorno de uma filha aos braços de Jesus, continue até o sol raiar. Persista enquanto as pedras não clamam. Nada move mais a volta de um bumerangue do que a força do vento contrário do Espírito.⁣
Chega o momento em que deixar ir também é uma expressão de amor, ainda que devastadora. E se a camisa-de-força não serve de modelo para as vestes celestiais, o brado de uma prece ecoa até os fundamentos do abismo.⁣
“Pais e mães deveriam muitas vezes erguer seu coração a Deus em humilde súplica por si e por seus filhos” (Ellen G. White, Orientação da Criança, p. 518). E quer algo ainda mais poderoso? “As orações das mães cristãs não são desatendidas pelo Pai de todos” (p. 526).⁣
Sobre a parábola mais conhecida de Jesus? A Bíblia omitiu uma personagem que eu peço permissão para acrescentar. Posso imaginar? O pai do filho pródigo estava no portão todos os dias enquanto a mãe dele orava lá no quarto todas as noites. Ambos gemeram pela falta do filho tão amado. ⁣
Faço um urgente apelo: não desanimem ainda que o inferno pareça zombar. Existe aí um lugar vazio gritando a falta de alguém no Lar do Céu? Vamos orar. Interceder. Suplicar. Eles voltarão. A oração pode impossíveis.⁣

Odailson Fonseca (via instagram)

Deixo mais dois lindos pensamentos de Ellen G. White:

“O amor de Deus anela sempre aquele que dEle se afastou, e põe em operação influências para fazê-lo tornar à casa paterna. [ … ] Uma cadeia dourada, a graça e compaixão do amor divino, é atada ao redor de toda pessoa em perigo” (Parábolas de Jesus, p. 202).

“O Céu aguarda e anela a volta dos pródigos que vagueiam longe do rebanho. Muitos dos que se extraviaram podem ser trazidos de volta, pelo amoroso serviço dos filhos de Deus” (Nos Lugares Celestiais, p. 10).

NOVO FILME "THE HOPEFUL"

Um novo filme adventista intitulado The Hopeful, que conta a história das origens da Igreja Adventista do Sétimo Dia, desde William Miller até John N. Andrews e os seus filhos, será exibido nos cinemas dos Estados Unidos nos dias 17 e 18 de abril.

John N. Andrews foi o primeiro missionário enviado pela Igreja Adventista para um destino fora dos Estados Unidos. O filme, realizado por Kyle Portbury, centra-se no viúvo Andrews que viaja para a Suíça com os seus filhos. Ele conta-lhes histórias, que são retratadas no filme, sobre os primórdios do movimento Adventista e os pioneiros que nele se destacaram. À medida que o filme recua no tempo, leva o público na viagem emocional da dor, decepção, alegrias e esperanças dos pioneiros da igreja, e como o desenvolvimento do movimento levou a família Andrews ao seu posto no estrangeiro.

A descrição do filme, feita pelos produtores, diz o seguinte:

A fé de William Miller está em ruínas. Depois de sobreviver milagrosamente a uma batalha feroz na Guerra de 1812, Miller questiona porque é que Deus o poupou. A sua busca por sabedoria leva-o a uma profecia surpreendente - o mundo vai acabar. The Hopeful é a história de um homem sobrecarregado com o conhecimento da volta de Cristo. A mensagem de Miller ressoa em alguns - mesmo quando é desprezada por outros. Quando uma jovem chamada Ellen Harmon ouve um dos seus sermões, ela é transformada. E, através do seu testemunho, a mensagem começa a ganhar força. A sua pregação cresce para além da profecia e desenvolve-se numa visão mais holística de como os cristãos devem viver e adorar. Vemos florescer as sementes de um novo movimento global de fé - a Igreja Adventista do Sétimo Dia. The Hopeful é a história verídica de uma comunidade cujas vidas foram transformadas ao aprenderem o que significa esperar verdadeiramente por Jesus. Este drama arrebatador, que se desenrola na Nova Inglaterra do século XIX, convida o público de todas as idades a imaginar como a esperança pode mudar o mundo.

Os produtores da Hope Studios desenvolveram The Hopeful para que fosse partilhado.

Em maio de 2023, o filme foi o centro das atenções sendo a projeção principal no Festival Internacional de Cinema Cristão (ICFF) em Orlando, Florida. O ICFF, fundado pelo cineasta adventista do sétimo dia Marty Jean-Louis, cresceu e tornou-se o maior festival de cinema cristão do mundo, ostentando uma lista internacional de mais de 20 mil assinantes. Embora o festival organize normalmente várias projeções simultâneas, The Hopeful reivindicou um estatuto único, como a única sessão de quinta-feira à noite, atraindo a maior audiência. Participantes em representação de várias denominações cristãs elogiaram a cinematografia e a narrativa do filme, tendo muitos expressado que este lhes serviu de apresentação ao Adventismo do Sétimo Dia e à sua história.

As exibições do filme destacaram o seu potencial para ser uma ferramenta eficaz para evangelismo e divulgação, disseram os produtores, e culminaram com o apoio oficial da Divisão Norte-Americana na sua Reunião de Final de Ano em Outubro de 2023.

O filme tem a duração de 1 hora e 30 minutos e foi produzido pelo Hope Studios, sediado no Hope Channel International, no edifício sede da Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. A Hope Studios forneceu recursos para a promoção do filme.

Assista o trailer: