quarta-feira, 27 de março de 2024

O VERDADEIRO PECADO DE SODOMA

Sodoma nada tem a ver com homossexualidade. A afirmação soará óbvia para alguns, mas um contrassenso para muitos – afinal, não é o que têm dito os líderes religiosos, que dão à homossexualidade a resposta de sempre? Nesta confusão anacrônica que importa ódios modernos a textos antigos, pouco importa se veio antes o ovo ou a galinha – importa que vieram de Deus, entidade onipotente que odeia todo o galinheiro, justificando assim a exclusão do diferente.

Felizmente, a solução para tais casos se mostra muito simples; basta ler o texto original, respeitando-o enquanto obra literária dotada de convenções e discursos singulares e alheia ao pensamento ocidental. Falamos de textos escritos originalmente em hebraico, numa sociedade oriental a cuja cultura temos acesso restrito e com lacunas, e que só podem ser interpretados de forma coerente de acordo com seu próprio contexto literário e cultural. Antes de ler atentamente à narrativa de Sodoma (Gn 18-19) cabe, então, estabelecer rapidamente algumas bases.
 
As palavras-guia
O texto bíblico é extremamente repetitivo. Muitas explicações foram dadas para este caráter primitivo da literatura hebraica – sua função de facilitar a memorização, suas origens na transmissão oral, seu papel como liturgia judaica – mas muito tempo se passou até que a academia ocidental percebesse e formalizasse o que já era há muito sabido pela tradição milenar rabínica: esta repetitividade atua de acordo com princípios estéticos e convenções literárias próprias, encontrando seus próprios mecanismos de transmissão de sentido ao leitor. Primitiva ou não, adaptou-se ao tempo-espaço com uma destreza que – diriam alguns – só a inspiração divina, ou das musas, pode trazer.

Entre suas convenções literárias destaca-se a da palavra-guia, formalizada por Martin Buber, que constata algo simples: repetições e variações de uma mesma palavra, em diferentes contextos, formam uma teia de significados que estabelecem a ideologia de seu narrador de forma implícita, transmitindo lições éticas e morais sem que a narrativa se torne uma fábula ou parábola. Estas palavras-guia são peças vitais em narrativas tão lacunares como as bíblicas, e permitem compreender sobre o que fala uma história que não diz a que veio. Na narrativa em questão, duas palavras-guia devem ser analisadas a fundo: Conhecimento e Justiça.

O juiz de toda a terra
Nosso ponto de partida está em Gênesis 18, quando Deus, a caminho de Sodoma, decide ficar para trás e discutir um assunto com seu servo Abraão, enviando à frente seus dois mensageiros. A divindade o faz após constatar que não deve ocultar seus planos de Abraão, visto que o conhece e sabe que este educará sua casa no caminho da justiça (vv. 17-19). Conhecer, no pensamento hebraico, significa muito mais que raciocínios ou saberes abstratos, mas um relacionamento íntimo que penetra e experimenta a essência do outro – não surpreende então que, para o hebreu, o homem “conhece” sua esposa antes de engravidá-la. Deus relaciona-se intimamente com seu servo Abraão, que compartilha seu anseio por justiça, e por isso resolve lhe expor sua divina e desagradável tarefa: verificar pessoalmente se procede o clamor que tem subido aos céus de Sodoma (vv. 20-21). Caso procedam os rumores (de opressão, não de orgias), destruirá a cidade; caso contrário, conhecerá. Antes de outro debate metafísico estéril a respeito da onisciência divina, destaca-se aqui que Deus quer se misturar aos supostamente perversos sodomitas e conhecê-los, relacionar-se com eles; não pronunciará sua sentença até sentir na pele o pecado que os condena.

Mas Abraão não se contenta em saber dos planos divinos. Ele anseia de tal forma por justiça que questiona a figura divina: eliminará o Senhor pessoas corretas e perversas numa só tacada? Não fará justiça o juiz de toda a terra (vv. 23-25)? Numa negociação inaudita entre senhor e súdito (vv. 26-33), Abraão demonstra ter apreendido muito bem a justiça de seu mestre, e ambos entram em acordo: caso haja ao menos 10 pessoas corretas na cidade, Deus não a destruirá. A tal justiça divina não equilibra recompensa e punição, mas deixa centenas impunes em nome da bondade de uns gatos pingados. Moloch, divindade amonita, diria que esse deus é muito mole; já Marduk, patrono de Babilônia, diria que a seus filhos faltam boas chineladas.
 
A Ilha dos Ciclopes
Enquanto Deus fica para trás negociando os termos do juízo, seus emissários chegam em Sodoma ao anoitecer (Gn 19:1). Nos portões da cidade está Ló, sobrinho de Abraão que se mudara para Sodoma há algum tempo. Sua presença nos portões não é mero detalhe. Os portões da cidade no Antigo Oriente Médio eram locais de deliberação, onde decisões públicas eram tomadas, negócios eram fechados e julgamentos realizados (Gn 23, Rt 4, 2 Sm 15:1-6). Estaria Ló levando justiça à cidade? Não se sabe. Mas ele teme pela segurança dos dois homens, que pretendiam passar a noite na praça central, e os leva apressadamente para dentro de casa (vv. 2-3).

Os temores de Ló são logo justificados, pois os sodomitas cercam a casa; não um grupo pequeno, mas todo o povo da cidade (v. 4). Jovens e velhos se unem com um só propósito: conhecer os forasteiros (v. 5). E não era este o propósito de Deus? Ambos querem conhecer e se relacionar um com o outro, então basta saírem os mensageiros. Mas aqui começa a mágica da palavra-guia: diferentes personagens têm diferentes concepções do que algo significa. E, para os sodomitas, conhecer não é troca. É invasão violenta e violação penetrante, como fica claro na contra-oferta de Ló a seus conterrâneos: suas duas filhas que não “conheceram” homem nenhum (vv. 6-8). O povo busca estuprar coletivamente os estrangeiros.

Um parêntese: o que está em jogo não é a sexualidade de Sodoma. Seria fantasioso assumir que uma cidade inteira é composta somente de homossexuais, e da maior canalhice equalizar qualquer orientação sexual ao crime hediondo de um estupro coletivo. O que determina seu comportamento não é sua orientação sexual, mas seu desejo de dominação. Estrangeiros não são bem-vindos, e devem ser subjugados de forma que entendam como funcionam as coisas em suas terras. Numa época em que a hospitalidade é princípio moral dos mais sagrados, Sodoma torna-se anticivilização – é o antipovo que, como os ciclopes de Homero, devora seus visitantes ao invés de recebê-los.

A resposta dos sodomitas não poderia tornar mais claras suas intenções: se enfurecem não pelo oferecimento de mulheres, mas pelo senso de justiça de Ló. Quem este forasteiro pensa que é para agir como juiz e nos dizer o que é mau (v. 9)? Deus desejava descer à cidade para conhecê-la, mas seus habitantes só conhecem a violência; desejava trazer-lhes uma justiça de misericórdia, mas estes não aceitarão a justiça de ninguém que não sua própria. Ló só será salvo pelos poderes sobrenaturais dos emissários divinos, e será retirado da cidade com sua esposa e filhas antes que caia o fogo destruidor. Terminará numa caverna, embebedado e estuprado pelas próprias filhas que oferecera a estupradores (vv. 30-38), e dando um fim sombrio à palavra-guia do conhecimento: Ló não “conhece” quando suas próprias filhas se deitam com ele (vv. 33,35). Mais que explicitar sua inconsciência, o uso do termo passa implicitamente um recado: relacionamentos mediados pela violência não são conhecimento de forma alguma.
 
O fantasma de Sodoma
A narrativa bíblica de Gênesis 18-19 jamais torna explícito o exato motivo da destruição de Sodoma, mas o fantasma de sua anticivilização perpassa todo o discurso bíblico. Juízes 19 oferece uma narrativa perturbadora em que, espelhando Gn 19, um levita viajante é encurralado por uma gangue de benjamitas – ambas tribos de Israel – e permite que sua esposa seja estuprada coletivamente até a morte. O discurso é claro: Israel tornara-se análoga a Sodoma.

A possibilidade de tornar-se anticivilização passa a ser um dos símbolos mais poderosos na condenação da imoralidade israelita. Isaías, em um de seus primeiros discursos, compara Israel a Sodoma em termos bastante reveladores: os sacrifícios e a adoração israelita são abomináveis a Deus, pois vêm de mãos que praticam o mal, que não levam justiça à viúva e ao órfão, e vêm de príncipes e assassinos que roubam e oprimem seu povo (Is 1:10-23). O clamor sodomita é o clamor do pobre desempregado e do negro chacinado; é o clamor do camponês que mal tem o que comer enquanto seu suserano engorda bois e galinhas para serem devorados por seu bolso. Na era de Mamon, do deus-dinheiro, fazemos bem em lembrar da história de Sodoma. Seu fantasma está em todo lugar.

André Kanasiro (via Revista Ópera)

"Não ignoramos que a queda de Sodoma foi motivada pela corrupção de seus habitantes. O profeta especificou aqui os males que, especialmente, levaram à dissolução moral: "Sodoma e as suas filhas eram orgulhosas porque tinham muita comida e viviam no conforto, sem fazer nada; porém não cuidaram dos pobres e dos necessitados. Elas foram orgulhosas e teimosas e fizeram as coisas que eu detesto; por isso, eu as destruí, como você sabe muito bem" (Ezequiel 16:49,50). Vemos exatamente os mesmos pecados presentes hoje no mundo, que fizeram sobrevir a Sodoma a ira de Deus, até sua mais completa destruição" (Ellen G. White - S.D.A. Bible Commentary 4:1161).

terça-feira, 26 de março de 2024

A PERSEGUIÇÃO AOS CRISTÃOS

Em geral, as pessoas temem o sofrimento. Elas o odeiam e tentam evitá-lo. Uma forma de sofrimento é a perseguição religiosa, que, em alguns casos, pode até levar ao martírio. Porém, as pessoas que vivem nos países em que há forte proteção legal e liberdade religiosa costumam se esquecer de que sofrer por amor de Jesus faz parte do presente destino do cristão. O próprio Jesus profetizou o sofrimento (Jo 15:18-21; 16:2, 3). Todos os apóstolos sofreram perseguição e não a consideraram “coisa estranha” (1Pe 4:12, 13). Aqueles que não sofrem perseguição de não cristãos ou mesmo de outros cristãos podem não perceber esse tema tão presente no livro de Apocalipse ou projetá-lo somente para os últimos momentos da história da Terra. Entretanto, tal visão limitada pode nos impedir de compreender e apoiar nossos irmãos e irmãs que estão sofrendo hoje.

O livro de Apocalipse contém muitas referências à perseguição e ao sofrimento. Esse tema permeia o livro. Embora a palavra “perseguir” (dioko) seja encontrada apenas uma vez em Apocalipse – o dragão persegue a mulher pura, a igreja (Ap 12:13) –, Robert H. Mounce, em sua obra The Book of Revelation, argumenta que a ideia de perseguição não se limita a esse termo. Palavras específicas, frases e trechos narram perseguição e feroz oposição. A perseguição da mulher pelo dragão é descrita em Apocalipse 12 de maneira gráfica e simbólica. O dragão tenta afogar a mulher e fazer com que ela seja arrebatada pelo rio (Ap 12:15).

Encontramos muitas vezes o termo “sangue” (haima) em contextos que ressaltam morte violenta (Ap 1:5; 6:10; 17:6). Em diversas passagens as palavras “morto” (nekros) e “morte” (thanatos) indicam martírio (Ap 1:5, 18; 14:13). João participou da “tribulação” (thlipsis) que outros cristãos sofreram (Ap 1:9). A igreja de Esmirna sofreu boa parte dessa tribulação (Ap 2:9, 10). A grande multidão virá da grande tribulação (Ap 7:14). A palavra “paciência” ou “perseverança” (hupomone) encontra-se em contextos de perseguição (Ap 1:9; 2:2, 3, 19; 13:10; 14:12). Apocalipse 2:10 descreve uma perseguição futura com a palavra “sofrer” (pascho).

Em algumas passagens, “morte” ou “assassínio” (apokteino) indica perseguição (Ap 2:13; 13:15), assim como podem indicar os termos “assassinato” (phonos; Ap 9:21) e “assassino” (phoneus; Ap 21:8; 22:15) em outras. Na igreja de Pérgamo, Antipas foi morto como “testemunha fiel” (Ap 2:13). Jesus é a testemunha fiel suprema (martus; Ap 1:5).

Jesus foi morto (sphazo; Ap 5:6, 9, 12) como um animal sacrifical. Alguns de seus seguidores também seriam violentamente mortos (Ap 6:9). Cristãos também foram decapitados (pelekizo; Ap 20:4). A cidade santa (que, segundo Stephen Smalley, em seu livro The Revelation of John, representa a igreja) será calcada aos pés (pateo; Ap 11:2).

Além de serem ameaçados de morte, os cristãos sofrerão boicote econômico (Ap 13:17). Ao terem o selo de Deus (Ap 7:2-4), eles não possuirão a marca da besta (Ap 13:16). Isso os colocará em evidência para que sejam perseguidos. Eles morarão nas proximidades do reino de Satanás (Ap 2:13) e serão atormentados pela sinagoga dele (Ap 2:9; 3:9). Serão confrontados e provados pelas “coisas profundas de Satanás”. O dragão pelejará (poieo polemon) contra o remanescente (Ap 12:17) por meio da besta que emerge do mar (poieo polemon; Ap 13:7) e da besta que emerge da terra (Ap 13:11-17) e as vencerá (Ap 13:7), ao menos temporariamente. A batalha do Armagedom (Ap 16:14; 16) será a luta final. A última ameaça de Satanás e seu exército contra a Nova Jerusalém e o povo de Deus, descrita em Apocalipse 20:7-10, se provará inútil e vã. Portanto, percebe-se que a perseguição está em todas as partes do livro de Apocalipse.

NUANCES DA PERSEGUIÇÃO
As informações sobre a perseguição no livro de Apocalipse podem ser agrupadas dentro dos seguintes tópicos:

1. A perseguição não está limitada a um período na história. O livro de Apocalipse menciona perseguições nas mensagens às sete igrejas. Apocalipse 12 a 14 apresenta um panorama do conflito entre Satanás e Jesus e Satanás e a igreja, iniciando com o nascimento do Messias e terminando com a segunda vinda de Jesus. A perseguição da igreja por longos períodos da história, simbolicamente descritos como “1.260 dias”, “42 meses” ou “um tempo, dois tempos e metade de um tempo”, é claramente expressa. Em Apocalipse 13 há uma longa profecia de uma futura adoração do dragão, da besta que emerge do mar e da imagem da besta.

2. A perseguição é local e universal. Há uma discussão acadêmica sobre até que ponto os cristãos do 1º século sofreram perseguição. Normalmente se admite que, de fato, ocorreram conflitos locais e perseguições na história primitiva da igreja, conforme afirma J. Nelson Kraybill em seu livro Apocalypse and Allegiance. Com relação ao tempo do fim, o apóstolo João viu uma união religiosa apóstata – Babilônia (Ap 17:1-7; veja também Ap 12-14) – apoiada por uma aliança política (Ap 17:2, 12, 13) e que guerreava contra o povo de Deus em nível universal.

3. A perseguição pode ter origens diferentes. O martírio de Jesus, o sofrimento de João, a perseguição dos cristãos em Esmirna e a morte de Antipas não estão diretamente atribuídos a um poder específico. No entanto, a circunstância histórica dos primeiros séculos indica que o Império Romano foi peça-chave na perseguição e morte dos cristãos.

As cartas às igrejas de Esmirna e Filadélfia mencionam aqueles que se autodeclaravam “judeus”, mas não eram (Ap 2:9; 3:9). Alan S. Bandy, no livro Prophetic Lawsuit in the Book of Revelation, afirma que essas duas igrejas estavam, de certa forma, em conflito com as comunidades judaicas em Esmirna e Filadélfia.

Apocalipse 12 descreve a perseguição do verdadeiro povo de Deus pelo dragão nos períodos medieval e pós-medieval. No entanto, conforme afirma Simon J. Kistemaker em New Testament Commentary: Exposition of the Book of Revelation, o dragão utiliza como poder humano a besta que emerge do mar – a grande e poderosa igreja medieval. Angel M. Rodríguez, em Future Glory, ressalta que o remanescente da mulher (Ap 12:17) será atacado pela besta que emerge do mar e também pela besta que emerge da terra, a América protestante. Portanto, o livro de Apocalipse vê Satanás, o adversário do Cordeiro, como protagonista por trás de todas as perseguições. Ele utilizou e utilizará diversos poderes políticos para perseguir o povo de Deus, como o Império Romano, poderes políticos dos últimos dias e também entidades religiosas como os judeus, religiões não cristãs e até mesmo igrejas cristãs.

4. A perseguição pode vir de formas variadas. O Apocalipse menciona blasfêmia (Ap 2:9; 13:6), perseguição (Ap 12:13), tribulação e sofrimento (Ap 1:9; 2:9-10), boicote econômico (Ap 13:17) e martírio (Ap 1:18; 2:10; 6:9, 10; 20:4). Há dúvidas se o conflito com falsos mestres e doutrinas enganadoras – a investigação das coisas profundas de Satanás (Ap 2:24) – também pode vir a ser perseguição.

5. A perseguição pode ser provocada pelo testemunho do povo de Deus. João utilizou com bastante frequência a família da palavra martu, “dar testemunho”, “prova” e “testemunha” (como pessoa). Um mártir é alguém que testifica da verdade com a própria vida. A palavra martus (testemunha) refere-se a Jesus e seus seguidores (Ap 2:13; 17:6). Jesus é o exemplo a ser seguido pela igreja.

Grant R. Osborne, em Revelation, e Richard Bauckham, em Theology of the Book of Revelation, destacam que o testemunho dos cristãos é primeiramente um estilo de vida de fidelidade a Cristo, e, em segundo lugar, um testemunho verbal durante o período de sofrimento deles. Perseguição e testemunho estão, muitas vezes, correlacionados, no sentido de que testemunhas fiéis têm que sofrer.

6. Perseguição e seguir a Jesus são coisas que andam de mãos dadas. Apocalipse 14:4 menciona que os 144.000 seguem (akoloutheo) o Cordeiro “por onde quer que Ele vá”. O contexto se refere a uma situação de perseguição extremamente difícil. No Evangelho de João, Jesus é descrito como o Bom Pastor. Suas ovelhas o seguem (Jo 10:4, 27). Porém, João, em seu evangelho, também coloca “seguir a Jesus” no contexto de sofrimento e até de martírio (Jo 12:23-26; 13:36, 37; 21:19). Para os cristãos que seguem o Cordeiro, a perseguição é algo normal e não uma “coisa estranha” (1Pe 4:12). É algo a ser esperado. Portanto, os cristãos devem evitar a perseguição, se puderem? Sim. Devem eles evitá-la a todo custo? Não.

7. A perseguição será levantada pela recusa dos crentes em ser leais às instituições humanas. O livro de Apocalipse prevê um conflito entre aqueles que têm o selo de Deus em sua fronte (Ap 7:2-4) e aqueles que aceitam a marca da besta em sua fronte ou na mão direita (Ap 13:16), o que levará à perseguição de fiéis seguidores de Cristo no tempo do fim. Esses eventos ainda estão por vir e sobrepujarão tudo o que anteriormente já aconteceu na história da igreja.

8. A perseguição é muitas vezes retratada em conexão com a ideia de guerra. Por exemplo, de acordo com Richard Bauckham, em The Climax of Prophecy, os 144 mil (durante o sexto selo), que obviamente terão que viver nos tempos em que os ventos serão soltos (Ap 7:1-4), são descritos como o exército messiânico. Sua contrapartida é o exército demoníaco de 200 milhões de seres que surgem durante a sexta trombeta (Ap 9:16). O conflito entre Miguel e o dragão é descrito como uma guerra no Céu (Ap 12:7). A perseguição dos remanescentes (santos) por meio do dragão (besta que emerge do mar) é descrita como uma guerra travada contra eles (Ap 12:17; 13:7). A última batalha, em conjunto com a segunda vinda de Cristo, é a batalha do Armagedom (16:16; 17:14; 19:11-21). No entanto, essa batalha tem natureza espiritual em vez de militar.

A ideia de guerra faz parte do tema do grande conflito, o que, nas Escrituras, provavelmente se desenvolva mais claramente no livro de Apocalipse. Conflito e guerra ocorrem em nível pessoal, de grupo e também no nível cósmico. Em outras palavras, não estão limitados ao planeta Terra, mas também são percebidos no Universo. O plano de salvação idealizado por Deus resolve todos esses níveis de conflito. O ponto decisivo no grande conflito é a morte de Jesus na cruz, retratada no livro de Apocalipse como a morte do Cordeiro. A morte do Messias enfatiza a forma de ser obtida a vitória. Assim como o Cordeiro vence por meio do sofrimento, de idêntica maneira vencem seus seguidores. Eles não se envolverão em atos de violência.

9. O livro de Apocalipse demonstra a reação dos cristãos diante da perseguição. Quando ocorre perseguição e tribulação, a pergunta é: “Como os cristãos enfrentam tal situação?” Há duas formas possíveis de reação correlacionadas. Uma delas é a reação intrapessoal. A outra é uma reação exterior que tem que ver com ações observáveis. Normalmente, a ação exterior é lutar ou fugir. No livro de Apocalipse, a luta física não é uma opção para o povo de Deus. Isso faz com que lhes reste apenas a outra possiblidade, ou seja, fugir. Por fuga entende-se a mudança para outra área geográfica ou a busca de esconderijos.

O Apocalipse não discorre muito sobre o apoio mútuo entre os cristãos perseguidos. No entanto, o cuidado pelos companheiros cristãos pode ser refletido em várias partes do livro. A igreja de Éfeso é desafiada a voltar ao seu primeiro amor, o que inclui o amor fraternal (Ap 2:2; veja 2:19). O termo “serviço” (diakonia; Ap 2:19) inclui serviço aos companheiros cristãos. Os membros da igreja têm responsabilidade uns pelos outros (Ap 3:2). Eles também são chamados a servir uns aos outros em tempos de aflição.

Isso nos leva à reação intrapessoal para com a perseguição. Algumas dessas pessoas que estão sofrendo perseguição certamente já se perguntaram: “Por que Deus permite tanta crueldade?” No entanto, essa pergunta não é feita de maneira direta em Apocalipse. Assim, é mais proveitoso perguntar: “Como os seguidores do Cordeiro podem reagir à perseguição?” Apocalipse revela:

▪ Eles se voltam para Deus em oração (Ap 6:10).

▪ Eles percebem e reconhecem que os pensamentos de Deus não são os deles, e que o plano da salvação idealizado por Deus lhes ultrapassa a compreensão. Enquanto os seguidores do Cordeiro repousam e outros mártires são acrescentados ao número deles (Ap 6:11), é dado tempo ao “povo de Deus” que ainda permanece na Babilônia do tempo do fim para que abandone esse sistema de contrafação (Ap 18:4).

▪ Eles conservam o que têm e não permitem que suas coroas lhes escapem das mãos (Ap 2:25; 3:11). Essa atitude também é descrita como perseverança, paciência, resignação (hupomone), um conceito importante em Apocalipse.

▪ Eles seguem o Cordeiro (Ap 14:4) e aceitam o sofrimento como algo inerente ao discipulado.

▪ Eles buscam o bem de seus inimigos mediante o testemunho fiel de sua vida, suas palavras e seu serviço como sacerdotes (Ap 12:11; 1:6).

▪ Eles confiam no terno cuidado de Jesus (Ap 1:5-7) e nas muitas promessas divinas contidas no livro de Apocalipse. Jesus têm as chaves da morte e do inferno (Ap 1:18). Ele ajuda seu povo a perseverar (Ap 2:10) e não permite que seja tocado pela segunda morte (Ap 2:11). Ele limita os fardos para que se tornem suportáveis (Ap 2:24; 3:10). Jesus até influencia os inimigos de seu povo a reconhecer que esses cristãos são amados por Deus (Ap 3:9).

10. Perseguição e morte não são consideradas derrota. No Evangelho de João, a morte de Jesus não é entendida como sua derrota, mas como sua glorificação (doxazo; Jo 7:39; 12:16, 23; 13:31) e exaltação (hupsoo; Jo 3:14; 8:28; 12:32-34). O livro de Apocalipse traz essa mesma abordagem. Assim como a aparente derrota de Jesus era, na realidade, sua vitória, da mesma forma o fiel sofrimento de seus seguidores (mesmo o martírio) não deve ser entendido como derrota. O livro de Apocalipse inverte a compreensão comum e torna derrotados os aparentemente vitoriosos, e vitoriosos os aparentemente derrotados. Essa inversão leva as pessoas a atentar para o fato de que Deus avalia as situações de maneira diferente e que elas são diferentes do que pareciam ser. Ironicamente, foi a aparente vitória satânica com a morte de Jesus que derrotou o próprio Satanás.

A PERSEGUIÇÃO NÃO É O FIM
O fato de o tema “perseguição” estar presente em todo o Apocalipse pode ser desalentador, principalmente para os cristãos que estão sofrendo perseguição. Porém, o Apocalipse não é um livro deprimente. É um livro muito positivo que fala do amor de Jesus por seus seguidores, de salvação e de uma nova condição de cristãos como um reino e sacerdotes; fala de auxílio constante e de uma esperança maravilhosa.

À luz da perseguição, devemos ter em mente que cerca de metade do livro é dedicada ao julgamento divino, isto é, à vindicação do nome de Deus e de seu povo. Os cristãos também são animados pela promessa constantemente repetida da iminência do regresso de Cristo. A ressurreição é a concretização da esperança de vida eterna para os cristãos sofredores. Ao mesmo tempo, é o terror de Deus para seus inimigos, pois eles reconhecem que terminou seu único poder, o da morte. Portanto, o Apocalipse não é um livro sobre morte; é sobre a vida através de Cristo e com Ele. A perseguição não é a palavra final. Deus tem a palavra final. Enquanto isso, amamos e ajudamos aqueles que estão sofrendo.

Ekkehardt Mueller (via Revista Adventista)

"Em todas as épocas as testemunhas designadas por Deus se têm exposto às perseguições e ao desprezo por amor à verdade. José foi caluniado e perseguido por haver preservado sua virtude e integridade. Davi, o mensageiro escolhido de Deus, foi caçado como um animal feroz por seus inimigos. Daniel foi lançado na cova dos leões por ser leal ao seu concerto com o Céu. Jó foi destituído de suas posses terrestres e ferido no corpo de tal maneira que o desprezaram os próprios parentes e amigos; contudo manteve sua integridade. Jeremias não pôde ser impedido de falar as palavras que Deus lhe ordenara; e seu testemunho de tal maneira enfureceu o rei e os príncipes que o atiraram num poço asqueroso. Estêvão foi apedrejado por haver pregado a Cristo, e Este crucificado. Paulo foi encarcerado, açoitado, apedrejado e finalmente entregue à morte por ter sido fiel mensageiro de Deus aos gentios. E João foi banido para a ilha de Patmos “por causa da Palavra de Deus, e pelo testemunho de Jesus Cristo” (Ap 1:9). 

Esses exemplos de humana firmeza dão testemunho da fidelidade das promessas de Deus - de Sua permanente presença e mantenedora graça. Testificam do poder da fé para enfrentar os poderes do mundo. É obra de fé repousar em Deus na hora mais escura, sentir, embora dolorosamente provado e sacudido pela tempestade, que nosso Pai está ao leme. Somente os olhos da fé podem ver para além das coisas temporais e apreciar com acerto o valor das riquezas eternas. 

Jesus não oferece a Seus seguidores a esperança de alcançar glórias e riquezas terrestres, de viver uma vida livre de provações. Ao contrário, chama-os para segui-Lo no caminho da abnegação e ignomínia. Aquele que veio para redimir o mundo sofreu a oposição das arregimentadas forças do mal. Numa impiedosa confederação, homens e anjos maus se aliaram contra o Príncipe da paz. Cada um de Seus atos e palavras revelava divina compaixão, e Sua inconformidade com o mundo provocou a mais acérrima hostilidade. 

Assim será com todos os que se dispuserem a viver piamente em Cristo Jesus. A perseguição e o descrédito esperam todos os que se imbuírem do Espírito de Cristo. O caráter da perseguição muda com o tempo, mas o princípio - o espírito que a anima - é o mesmo que tem dado a morte aos escolhidos do Senhor desde os dias de Abel. 

Em todos os séculos, Satanás tem perseguido o povo de Deus. Tem-no torturado e lhe dado a morte, porém tornaram-se eles conquistadores ao morrer. Deram testemunho do poder de Alguém que é mais forte que Satanás. Podem os ímpios torturar e matar o corpo, mas não podem tocar na vida que está escondida com Cristo em Deus. Podem encerrar homens e mulheres nas prisões, mas não lhes podem encerrar o espírito. 

Mediante provas e perseguições, a glória - o caráter - de Deus se revela em Seus escolhidos. Os crentes em Cristo, odiados e perseguidos pelo mundo, são educados e disciplinados na escola de Cristo. Na Terra andam em caminhos estreitos; são purificados na fornalha da aflição (Is 48:10).

Seguem a Cristo através de penosos conflitos; suportam a abnegação e passam por amargos desapontamentos; mas deste modo aprendem o que significam a culpa e os ais do pecado, e olham para ele com repulsa. Tendo sido participantes das aflições de Cristo, podem contemplar a glória além da obscuridade, dizendo: “Tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm 8:18)" (Ellen G. White - Atos dos Apóstolos, pp. 297-297).

ESPELHO DO PÚLPITO

É correto dizer que a música contemporânea de louvor enfatiza temas como vitória pessoal e paixão por Jesus. Mas não é correto afirmar que a predominância dessa temática triunfalista, individualista e sentimental seja culpa exclusiva dos músicos. Falando francamente, esses temas ressaltados em tantas músicas correspondem aos temas predominantemente abordados no púlpito das igrejas.

Proliferam vídeos e sermões que apresentam Deus como o sócio para os negócios e Jesus como o ser meigo e bondoso que dá um abraço quando você chora. Não estou dizendo que o Pai e o Filho não Se importam com os problemas da vida humana, mas Cristo não morreu na cruz para levantar minha autoestima.

Há quase uma relação direta entre uma sociedade que supervaloriza o sucesso pessoal e igrejas que trocaram o sermão bíblico pela palestra motivacional. Queremos tanto resolver nossos problemas profissionais e familiares que, ao chegarmos na igreja, esperamos uma mensagem terapêutica que nos faça rir, chorar e tomar boas decisões que duram até alcançarmos a porta de saída do templo.

De modo idêntico, a música acaba sendo utilizada para levantar o espírito dormente das pessoas antes do sermão. Ou seja, a música deixa de ser usada como mensagem de adoração e edificação congregacional e passa a servir a um exercício terapêutico de subir e descer as emoções nas asas do louvor. No entanto, o teólogo Gerald A. Klingbeil escreve que “a música não é o complemento emocional para a pregação intelectual da Palavra de Deus. A música deve também ter um aspecto racional/intelectual” (Música na Igreja: Veículo de Adoração e Louvor, p. 24).

A música não é um acessório nem um complemento do sermão. Ela também é um tipo de sermão, pois também proclama o evangelho e os atos de Deus na vida das pessoas. Nesse sentido, qual é o sermão que estamos pregando através das letras de nossas músicas? Se considerarmos a música um espelho do púlpito, um reflexo da proclamação do evangelho, então veremos canções de teologia sólida e poesia criativa refletindo positivamente sermões consistentes e nutritivos, mas, infelizmente, veremos também músicas espelhando sermões superficiais.

Em suma, biblicamente mal alimentados, desprovidos de proteína teológica e sem buscar por si mesmos a nutrição intelectual/espiritual, há músicos que simplesmente reproduzem em suas letras a falta de consistência e a aridez bíblica que ouvem dos púlpitos. Gerald Klingbeil acrescenta: “O que precisamos é de filhos de Deus criativos que podem vencer o desafio e colocar em prática o […] essencial: integridade de adoração (que fala tanto ao intelecto como às emoções) e uma clara proclamação da mensagem”.

Dizemos que a canção cristã precisa ser reformada. Mas a reforma da música e da adoração está relacionada à reforma do púlpito. Assim não haverá tantos cânticos teologicamente rasos espelhando sermões biblicamente superficiais.

Joêzer Mendonça (via Revista Adventista)

segunda-feira, 25 de março de 2024

A CRONOLOGIA DA CRUZ

Na tradição judaico-cristã, a Páscoa é uma das festividades mais antigas e importantes. Para os judeus, a Pesach (do hebraico "passagem") têm suas raízes no Antigo Testamento, especialmente no livro de Êxodo, celebrando a libertação dos filhos de Israel do cativeiro no Egito. Por sua vez, a Páscoa cristã comemora a ressurreição de Cristo, que garantiu a nossa salvação do pecado e da morte eterna. Jesus profetizou que ressuscitaria dos mortos no terceiro dia (Lc 18:31-33; Jo 2:19, 20, 21; At 10:40). Se Ele foi sepultado na tarde de sexta-feira, quanto tempo precisaria permanecer no túmulo para que essa profecia se cumprisse? Para responder a essa pergunta, é preciso entender a maneira judaica de contar o tempo naquela época. Veja a seguir:

> Os evangelhos não fornecem diretamente o dia da semana em que Jesus compartilhou a ceia pascal com seus discípulos (Mt 26:14-30; Mc 14:12-26; Lc 22:14-23; Jo 13:21-30). No entanto, pela exegese do texto, concluímos que isso ocorreu na noite de quinta-feira, dia 15 do mês Nisã, de acordo com o calendário judaico.

> Por outro lado, os quatro evangelhos deixam claro que Jesus morreu e foi sepultado na sexta-feira, chamada de "preparação" (paraskeuê), conforme mencionado diversas vezes no Novo Testamento (Mt 27:62; Mc 15:42; Lc 23:54; Jo 19:31). Ele descansou na tumba durante o sábado (Mt 27:59-28:1; Mc 15:45-16:1; Lc 23:52-56; Jo 19:31-20:1) e ressuscitou no domingo (Mt 28:1-7; Mc 16:1-6; Lc 24:1-7; Jo 20:1-9).

> Mateus 12:40 parece seguir a lógica da "contagem inclusiva". Dessa perspectiva, a porção de um tempo é contada como se fosse um dia inteiro, conforme vemos em vários outros textos (Lv 19:5, 6: Êx 19:10, 11; 1Sm 30:11-13). O mesmo se aplica à cronologia da cruz: 1. Jesus morreu na sexta-feira à tarde (1º dia); 2. Permaneceu morto por todo o dia de sábado (2º dia); 3. E no primeiro dia da semana (domingo), entre a noite e o raiar do dia, Ele ressuscitou (no 3º dia). O texto não diz que Jesus ressuscitaria "depois" do terceiro dia, mas "no" terceiro dia. Assim, não podemos interpretar a expressão "três dias e três noites" como indicando que o tempo entre a morte e a ressurreição de Jesus foi de 72 horas completas. Da mesma forma, não podemos afirmar isso em relação ao caso de Jonas, pois não conhecemos a hora em que ele foi engolido pelo grande peixe nem a hora em que o peixe o vomitou na praia.

> O relato bíblico é preciso ao dizer quando as mulheres chegaram no túmulo de Jesus e o encontraram vazio: "no começo do primeiro dia da semana" (Mt 28:1); "bem cedo" (Mc 16:2); "alta madrugada" (Lc 24:1); "quando ainda estava escuro" (Jo 20:1). Logo, Sua ressurreição ocorreu antes do amanhecer, o que vai contra uma interpretação literal de Mateus 12:40. Caso contrário, Jesus teria ressuscitado no mesmo horário em que morreu, ou seja, por volta das três da tarde (Mt 27:45-56; Mc 15:33-41; Lc 23:44-49).

> Embora o ato de Sua morte vicária e salvífica seja mais importante que a data em si, há implicações teológicas profundas nessa questão, uma vez que percebemos um claro paralelo com Gênesis 2:1-3. Assim como na semana da criação, Ele concluiu Sua obra na sexta-feira e descansou no sábado (Lc 23:50-56).

Fonte: "Em que dia da semana Jesus morreu e ressuscitou?", site biblia.com.br; "Jesus ficou 72 horas morto" programa Evidências (via Revista Adventista março 2024).

sexta-feira, 22 de março de 2024

SEM BARREIRAS

Já se passaram quase 35 anos desde a queda do Muro de Berlim. Um artigo publicado na revista U.S. News & World Report retratou bem as reações de duas mulheres que foram diretamente afetadas pelo evento. Angelika Bondick, hoje com 63 anos de idade, declarou que, na verdade, ela sente falta do muro. “Eu cresci com ele, e não o questionei”, ela afirmou.

Dagmar Simdorn, 81, expressou uma reação diferente. “Ficamos ali de boca aberta com a mão à frente dela. A sensação era como se estivéssemos voando, realmente”, ela disse, chorando. “Sentimo-nos como que flutuando”, completou.

Já foram investidas somas incalculáveis de dinheiro nas grandes muralhas do mundo, sem mencionar as inúmeras vidas que foram sacrificadas à sombra delas. Atualmente, muitos desses muros servem apenas como atrações turísticas.

Nos tempos bíblicos, os muros eram símbolo de força e proteção. Uma cidade sem muros era considerada fraca e vulnerável. Muros bem construídos eram imprescindíveis para manter o inimigo do lado de fora, mas também eram muito eficazes para manter o povo dentro. Os cidadãos podiam se tornar prisioneiros dentro de sua própria cidade, sem perceberem.

Os livros de história estão cheios de relatos a respeito de pessoas presas dentro dos muros da sua própria cidade. Um dos cercos mais longos registrados aconteceu à cidade de Cândia, capital de Creta. No século 17, Veneza era uma grande potência no Mediterrâneo, mas seu poder entrou em declínio à medida que o Império Otomano crescia em força. Alguns incidentes militares lamentáveis resultaram no cerco de Cândia. Ele começou em 1648, quando o abastecimento de água foi cortado e as vias marítimas foram interrompidas. Numerosas batalhas ocorreram ao longo dos anos, mas os moradores de Cândia se recusaram a desistir. Finalmente, 21 anos depois, em 1669, a cidade se rendeu e os residentes foram autorizados a sair com o que pudessem carregar.

BARREIRAS RELIGIOSAS
Será possível, em nossos dias, ficarmos presos dentro de nossos próprios muros? Ao longo da história, muitos entre o povo de Deus levantaram barreiras construídas por mãos humanas, para se protegerem do inimigo. Esses muros não são físicos. São espirituais. Não são construídos com martelo e pregos ou tijolos e argamassa. São muros construídos com ideias, tradições, preconceitos e medos.

O apóstolo Paulo escreveu que a cruz uniu o que estava separado, não apenas no âmbito vertical, mas também no nível horizontal. Cristo derrubou a parede da separação que estava no meio, a inimizade, conforme lemos em Efésios 2:14. O que era esse “muro de inimizade”? Paulo deixou claro que ele representa o muro que separava judeus e gentios.

O Museu de Israel, em Jerusalém, expõe o fragmento de um artefato descoberto em 1936, perto do local do segundo templo. O achado arqueológico, que possivelmente tenha sido fabricado alguns anos antes do nascimento de Jesus, traz a seguinte inscrição: “Não é permitido a estrangeiros passar além da balaustrada e da praça da zona do templo. Se alguém for apanhado ali será responsável por sua própria morte que virá como consequência”.

O que deve ter passado pela mente de Jesus quando Ele Se deparou com aquela placa, sabendo que Sua morte, que viria a seguir, pagaria o preço da culpa tanto de judeus quanto de gentios?

Ellen White escreveu o seguinte sobre os judeus do tempo de Jesus: “O povo de Israel perdeu de vista seus altos privilégios como representantes de Deus. Esqueceram-se de Deus e deixaram de cumprir Sua santa missão. [...] As restrições por Deus impostas na sua associação com os idólatras como um meio de prevenir-lhes o conformismo com as práticas pagãs, eles as usaram para levantar um muro de separação entre si e as demais nações” (Atos dos Apóstolos, p. 14, 15).

LIÇÕES DA DEMOLIÇÃO
Jesus estava demolindo aquele muro para garantir que ninguém ficasse sem acesso à Sua salvação. Paulo deixou isso bem claro: “Porque, por Ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito” (Ef 2:18).

Os muros fazem três coisas devastadoras:

1. Limitam a visão. Não se consegue ver muito facilmente por cima de um muro. Há um muro chamado “nunca foi feito dessa maneira” ou “não é assim que se faz”. Quando os muros limitam nossa visão, tendemos a dizer: “Se não consigo ver, não acredito”. As paredes também limitam a expressão. Há um muro que nos mantém presos às tradições e ao pensamento tradicional. Os muros podem limitar a criatividade e o crescimento.

2. Muros isolam. Eles tendem a manter as pessoas do lado de fora. Quando queremos ficar sozinhos, erguemos um muro. Mesmo entre uma multidão de pessoas, levantamos muros invisíveis para nos proteger. O problema é que esses muros nos isolam das mesmas pessoas de quem devemos nos aproximar.

3. Muros segregam. O isolamento mantém as pessoas do lado de fora, mas a segregação também mantém as pessoas dentro. O propósito da igreja nunca foi ser autossuficiente nem fechada. Nem o de ser o clube de uma elite de pessoas que raramente se aventuram a sair. A igreja deve ser a porta do Céu. Não devemos permitir que nada bloqueie a entrada para o reino de Deus.

Para o caso de haver alguma dúvida, Jesus disse: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, por que fechais o reino dos Céus diante dos homens” (Mt 23:13). Jesus confirmou esse conceito em outra ocasião: “quem vem a Mim, de modo nenhum o lançarei fora” (Jo 6:37). Finalmente, lembremo-nos do que Deus disse: “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” (Ap 22:17). Qualquer coisa que restrinja “quem quer que seja” de chegar a Jesus é um muro que deve ser derrubado. Não ousemos construir um muro onde Jesus colocou uma porta aberta.

Veja o que Ellen White escreveu: “Durante Seu ministério terrestre, Cristo deu início à obra de derrubar o muro de separação entre judeus e gentios e apregoar a salvação a toda a humanidade. Embora fosse judeu, comunicava-Se livremente com os samaritanos, anulando costumes farisaicos dos judeus com respeito a esse desprezado povo. Dormia sob seu teto, comia em suas mesas e ensinava em suas ruas” (Atos dos Apóstolos, p. 19).

Oremos para que Deus nos mostre os muros que precisam ser derrubados. Oremos para que, por meio da graça de Deus, tenhamos mais fé e poder para derrubar as barreiras “invisíveis” e, seguindo o exemplo de Jesus, sermos testemunhas eficientes.

Brent Burdick (via Revista Adventista)

quinta-feira, 21 de março de 2024

A ÚLTIMA ADVERTÊNCIA

Houve uma reunião no Céu para definir qual seria a última mensagem a ser dada ao planeta em rebelião. “É essencial incluir o evangelho eterno, porque ele expressa o amor demonstrado pelo Meu Filho amado para salvar o mundo”, disse Deus. “Deve ser um chamado para adorar o Criador do Céu, da Terra e das fontes das águas”, ponderou o Filho, que sempre buscou glorificar o Pai. “Além disso, precisamos incluir as consequências de ficar do lado errado na guerra entre o bem e o mal”, acrescentou o Espírito Santo, com Seu toque de sensibilidade. E assim o aviso final chegou a João, que viu três anjos voando pelo meio do Céu, o espaço de Deus, um lugar de grande visibilidade, e o registrou em Apocalipse 14. 

A reunião é imaginária, mas o conteúdo é real. Encapsulada em sete dos 404 versos do Apocalipse (14:6-12), essa tríplice mensagem tem um roteiro impressionante: vem de Deus, sintetiza conteúdo teológico riquíssimo, aplica-se a um momento crítico, é proclamada com senso de urgência, visa a uma audiência global e deve ser pregada por um povo especial. 

Não é por acaso que líderes da igreja, editores, teólogos, evangelistas, dissidentes, todos gostam de falar da mensagem dos três anjos. Por sua importância, precisamos proclamá-la com poder e rapidez, não com lentidão e timidez, a fim de alcançar cada nação, tribo, língua, povo, pessoa e neurônio... E na ordem correta, uma mensagem servindo de fundamento para a outra, embora as três sejam cumulativas: (1) temam a Deus, deem-Lhe glória e adorem o Criador, pois chegou a solene hora do julgamento; (2) está caindo o gigantesco sistema de Babilônia, a cidade da conspiração que engana o mundo com a mentira e o embriaga com o vinho da corrupção moral e espiritual; (3) quem adorar o monstro imperial e aderir ao seu falso sistema de adoração sofrerá penalidade eterna. 

Desde o início do adventismo, essas mensagens foram compreendidas como a síntese do plano da redenção, pois falam da criação, destacam o sábado como o sinal de lealdade ao Criador, indicam que o julgamento começou em 1844 e denunciam o antievangelho promovido pela trindade satânica descrita no Apocalipse. 

Na textura do Apocalipse, com reflexos no capítulo 14, há um choque de cosmovisões, valores, filosofias, métodos e comportamentos. A linguagem não reflete primariamente a cultura da época, mas a intertextualidade dos profetas; o foco não está somente na brutalidade do Império Romano, mas no conflito entre o dragão e o Cordeiro; o tempo não é exclusivamente o 1º século, mas toda a história; o escopo não é simplesmente geográfico, mas cósmico. Os pioneiros perceberam esses detalhes e suas implicações para a identidade e a missão da igreja. 

Aos adventistas, acentuou Ellen White, “foi confiada a última mensagem de advertência a um mundo a perecer”, que é a proclamação das três mensagens angélicas. “Nenhuma obra há de tão grande importância” (Testemunhos para a Igreja, v. 9, p. 19).  

Curiosamente, tempos atrás um líder cogitou se a igreja deveria comprar um satélite para potencializar a pregação global, o que é um plano ousado. Mas, acima de qualquer tecnologia no espaço, os verdadeiros “anjos” somos nós. Quem não viver e não compartilhar essas verdades agora dificilmente vai defendê-las no momento da crise final.

Marcos De Benedicto (via Revista Adventista)

quarta-feira, 20 de março de 2024

DIA DO REPOUSO

É correto dizer que Jesus descansou no sábado quando estava na tumba?

Nenhum texto da Bíblia declara especificamente que Jesus foi para a tumba após Sua morte a fim de descansar no dia de sábado. Mas há evidências bíblicas suficientes que apoiam essa conclusão.

1. Jesus morreu na sexta-feira. Com poucas exceções, os cristãos acreditam que Jesus foi crucificado na sexta-feira e ressuscitou no domingo de manhã. A evidência bíblica apoia essa cronologia da crucifixão. De acordo com Mateus, a ressurreição de Jesus ocorreu logo após o sábado, “no começo do primeiro dia da semana” (Mt 28:1). Marcos indica que Jesus morreu “na véspera do sábado” e que, quando as mulheres foram à tumba “bem cedo, no primeiro dia da semana, ao nascer do sol” (Mc 15:42; 16:2), Jesus já havia sido ressuscitado. Lucas informa que, quando o corpo de Jesus foi colocado dentro da tumba, “era o dia da preparação, e o sábado estava para começar” e que as mulheres foram para casa e “descansaram segundo o mandamento” (Lc 23:56). Lucas também indica que as mulheres foram à tumba “no primeiro dia da semana, alta madrugada” (Lc 24:1). Portanto, a ressurreição de Jesus aconteceu na madrugada de domingo. Ele realmente estava na tumba durante o sábado.

2. A origem da expressão “Está consumado”. Ao tentar compreender as palavras de Jesus na cruz, os eruditos pesquisaram no Antigo Testamento em busca de uma base para a expressão tetelestai (“Está consumado”, Jo 19:30), do verbo teleo¯ (“completo”, “realizado”, “finalizado”). Foram sugeridas duas passagens e ambas são importantes para nosso intento. A primeira é Isaías 55:11, em que o verbo sunteleo¯ (“completo”, “finalizado”), da mesma raiz de teleo¯, é usado na Septuaginta, a tradução em grego do Antigo Testamento (LXX). Esse texto é a proclamação da confiabilidade, credibilidade e irrevogabilidade da palavra de Deus. Uma vez que Deus pronunciou uma palavra de salvação, ela não retornará a Ele até que tenha “realizado” o que Ele quis dizer. Se levarmos em consideração Isaías 55:4, a palavra no verso 11 tem um teor messiânico. A última Palavra que Deus enviaria era o Messias. Se João tinha essa passagem em mente, então Jesus como a Palavra de Deus trouxe a mensagem de salvação que era efetiva e proclamou na cruz que Sua obra redentora havia sido completada, terminada. Agora Ele estava pronto para retornar ao Pai.

3. A expressão “Está consumado” e o descanso. Uma segunda passagem do Antigo Testamento que serve como base para o verbo tetelestai (“Está consumado”) é Gênesis 2:2, onde mais uma vez encontramos o verbo sunteleo¯ (“completo”, “consumado”) na tradução do Antigo Testamento para o grego (LXX), mas agora no contexto da criação: “E, havendo Deus terminado no sétimo dia a Sua obra, que tinha feito, descansou nesse dia de toda a obra que tinha feito.” Aqui encontramos duas ideias importantes que também estão presentes em João, a saber, algo foi finalizado – na criação do Gênesis e na redenção do evangelho de João – e seguido pelo descanso do sétimo dia. Em João, a proclamação de Jesus (Jo 19:30) é seguida imediatamente por uma referência ao sábado: “Visto que era o dia de preparação e era grande o dia daquele sábado” (v. 31). Jesus realmente descansou durante o sábado após ter finalizado Sua obra de redenção (ou nova criação), assim como Deus descansou no sábado após Sua obra de criação. Dentro da tumba, Deus em carne humana descansou no sábado do sétimo dia, instituído por Ele para o benefício da humanidade (Mc 2:27).

Ángel Manuel Rodríguez (via Revista Adventista)

"Cristo repousou na tumba no dia de sábado... Enquanto baixavam as sombras da noite, Maria Madalena e as outras Marias demoravam-se ainda em torno do lugar em que descansava o Senhor, derramando lágrimas de dor pela sorte dAquele a quem amavam. 'E, voltando elas, [...] no sábado repousaram, conforme o mandamento' (Lucas 23:56)" (Ellen G. White - O Desejado de Todas as Nações, 773).